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Bactérias que compõem a microbiota

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Interação entre a microbiota e os fármacos

Escrito por: Adenilde Bringel

Alguns estudos recentes têm mostrado que as bactérias que compõem a microbiota intestinal podem ter uma estreita relação com a maneira como os fármacos são metabolizados no organismo. Ao mesmo tempo, os cientistas querem entender até que ponto algumas drogas teriam a capacidade de interferir para o desequilíbrio desse microscópico ecossistema, levando à disbiose intestinal. Já se sabe há muito tempo que os antibióticos alteram negativamente a população microbiana intestinal, inclusive com risco de levar à disbiose.

No entanto, mais recentemente os cientistas constataram que a interação entre microrganismos intestinais e medicamentos não antibióticos comumente usados também é complexa e bidirecional. Isso significa que a composição do microbioma intestinal pode ser influenciada por certos medicamentos e, ao mesmo tempo, a microbiota intestinal tende a influenciar na resposta de um indivíduo a um determinado fármaco. Ao transformar enzimaticamente a estrutura do medicamento, os microrganismos intestinais alteram sua biodisponibilidade, bioatividade ou mesmo toxicidade. Este fenômeno é conhecido como farmacomicrobiômica.

Na revisão ‘Interaction between drugs and the gut microbiome’, publicada em 2020 por pesquisadores holandeses, os autores ressaltam que entender como o microbioma intestinal metaboliza os medicamentos e reduz a eficácia do tratamento abrirá a possibilidade de modular esse ecossistema intestinal para melhorar as terapêuticas futuras. Segundo os cientistas, entre os principais medicamentos não antibióticos associados a mudanças na composição microbiana estão os inibidores de bomba de prótons (IBPs), estatinas hipolipemiantes, laxantes, metformina, betabloqueadores e inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), assim como antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina. Além disso, o microbioma intestinal pode impactar indiretamente a resposta de um indivíduo à imunoterapia no tratamento do câncer por meio de sua influência no estado imunológico geral do hospedeiro.

Os IBPs estão entre os medicamentos mais comumente usados no mundo para tratar distúrbios como úlceras pépticas, refluxo gastroesofágico e dispepsia. Além disso, geralmente são prescritos para a prevenção de gastroduodenopatia e sangramento induzidos por anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). A metformina é um composto oral hipoglicemiante usado no tratamento do diabetes tipo 2. “Estudos sugerem cada vez mais que alguns de seus efeitos benéficos são mediados pela microbiota intestinal”, sugerem os autores da revisão científica. Já betabloqueadores e inibidores da ECA são usados principalmente para tratar condições cardiovasculares como hipertensão, angina e insuficiência cardíaca, além de ansiedade, enxaquecas e tremores.

“A exposição prolongada a estes fármacos, assim como a antipsicóticos, imunossupressores e quimioterápicos pode promover uma disbiose intestinal, caracterizada por perda de diversidade, aumento de espécies patobiontes e redução de espécies benéficas”, ressalta o farmacologista Pedro Barata, professor doutor associado na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, em Portugal, e presidente da Comissão de Ética da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS). Os microrganismos intestinais podem metabolizar o medicamento em compostos inativos ou tóxicos, modificar a absorção intestinal, alterar enzimas hepáticas via sinalização indireta ou, ainda, competir por substratos ou cofatores necessários ao metabolismo do fármaco. A disbiose, por sua vez, pode contribuir para levar a inflamação crônica, resistência à insulina, alterações do metabolismo lipídico, disfunção imunitária e risco aumentado de infecções ou doenças autoimunes, agravando o prognóstico dessas condições.

De acordo com o professor, por meio da farmacogenômica é possível identificar variações genéticas humanas que influenciam a resposta a medicamentos. “Ao integrar dados sobre o microbioma, torna-se possível compreender como a genética do hospedeiro e os perfis microbianos interagem para modular a eficácia e a toxicidade dos fármacos, contribuindo para terapias mais personalizadas”, acentua. Na dissertação de mestrado ‘O efeito da microbiota na metabolização dos fármacos’ – com orientação do professor Pedro Barata –, a farmacêutica Olívia Daniela Pinho Mouro descreve que a investigação destes fenômenos de inter-relação entre microbiota e fármacos pode abrir portas para melhor compreensão de certas patologias, assim como permitir o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes com vista a uma melhor terapia, melhor recuperação e melhoria da qualidade de vida para os pacientes.

No artigo de revisão científica, a autora afirma que há evidências de que mais de 30 medicamentos foram identificados como um substrato para bactérias intestinais. E isso significa que essas substâncias podem ser metabolizadas diretamente pelo menos por uma parte das trilhões de bactérias que habitam o intestino humano. “As bactérias utilizam esses fármacos como fonte de energia ou alteram sua estrutura química, influenciando a biodisponibilidade, eficácia ou toxicidade dos medicamentos”, acrescenta o professor Pedro Barata. As evidências mostram, ainda, que a eficácia dos medicamentos está relacionada à composição e à funcionalidade da microbiota de cada indivíduo. Estes fatores influenciam a resposta a diversos fármacos, explicando variações interindividuais na eficácia terapêutica.

A biomédica doutora em Genética Caroline Cardozo Gasparin, professora no Centro Universitário UniBrasil e na Instituição UniEnsino – Centro Universitário do Paraná, é a orientadora de um artigo de revisão que explora a existência de uma dupla influência da microbiota intestinal com interferência sobre a resposta aos medicamentos. “É muito interessante estudar a influência que os fármacos têm sobre a microbiota e vice-versa, uma vez que estudos demonstram uma espécie de via de mão dupla em que a microbiota pode interferir sobre a resposta aos medicamentos, assim como pode ter sua composição alterada pelos fármacos”, reforça. No artigo ‘A influência dos fármacos sobre a microbiota gastrointestinal humana: uma revisão de literatura’, publicado em 2024 no Brazilian Journal of Implantology and Healthy Sciences, os autores reforçam que os microrganismos que compõem a microbiota intestinal humana podem modular a farmacocinética e a farmacodinâmica de medicamentos, seja por meio da transformação direta dos compostos medicamentosos, seja pela regulação do metabolismo do indivíduo.

“Muitos fármacos podem alterar a composição da microbiota intestinal levando à elevação de alguns tipos de microrganismos e à redução de outros bem importantes para o equilíbrio do ambiente intestinal”, sinaliza a professora, ao acrescentar que os dados acerca da influência que os microrganismos exercem sobre o organismo humano são numerosos. Dentre eles, pode-se verificar que são muitos os fatores passíveis de influenciar e alterar a composição da microbiota intestinal humana, tão importante para a manutenção da homeostase. Além disso, um desequilíbrio pode contribuir para quadros patológicos.

O estudo ‘Drug-microbiota interactions: an emerging priority for precision medicine‘ reforça que a variabilidade individual na resposta a medicamentos (IVDR, na sigla em inglês) pode ser uma das principais causas de reações adversas aos fármacos e à terapia prolongada. Segundo os autores, apesar da extensa pesquisa em farmacogenômica em relação ao impacto da formação genética individual na farmacocinética e na farmacodinâmica, a diversidade genética explica apenas uma proporção limitada dessa variabilidade individual. Por isso, os cientistas acreditam que a farmacomicrobiômica representa um caminho promissor para abordar a IVDR e melhorar os resultados dos tratamentos para os pacientes.

Comprovações – De acordo com os cientistas, mais de 70% dos 200 principais medicamentos prescritos atualmente em todo o mundo são metabolizados no fígado e cerca de 50% são metabolizados através do sistema enzimático P450 – também conhecido como citocromo P450. Este sistema consiste em um grupo de enzimas encontradas principalmente no fígado que desempenham um papel crucial no metabolismo de diversas substâncias, incluindo medicamentos, toxinas e hormônios. Além disso, 25% dessas drogas são eliminadas nos rins.

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