Descrito como o maior estudo genético sobre epilepsias do mundo, um trabalho coordenado por um consórcio da Liga Internacional Contra Epilepsias (ILAE, na sigla em inglês) – com mais de 359 cientistas de instituições de pesquisas mundiais – comparou dados de aproximadamente 30 mil pessoas com a doença aos de 52.538 controles, revelando alterações específicas no DNA que sinalizam maior risco para o distúrbio cerebral. Essa metanálise conjunta e multiétnica, que incluiu casos de epilepsia de ascendência europeia (92%), africana (3%) e asiática (5%), resultou na identificação de 26 áreas (loci) distintas do genoma que estão ligadas à doença, com 29 genes que, provavelmente, têm importante responsabilidade na condição. Os resultados permitirão melhorar o diagnóstico e ampliar a possibilidade de novos tratamentos.
Com uma combinação de 10 métodos de análise pós-GWAS (estudo de associação genômica ampla, na sigla em inglês) dos genes identificados, 17 foram associados à epilepsia pela primeira vez. Outros 10 estão relacionados aos genes de epilepsia monogênica e sete são conhecidos por terem medicamentos aprovados que atuam com foco no tratamento do transtorno do espectro autista (TEA). “A análise de herdabilidade dos subtipos revelou arquiteturas genéticas significativamente diferentes entre dois subtipos de epilepsias – focais e generalizadas –, sendo que variações comuns no DNA podem explicar entre 39,6% e 90% do risco genético para este último tipo”, descreve a professora doutora Iscia Teresinha Lopes-Cendes, docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e coautora do artigo pelo Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN) – único representante da América Latina no estudo.
Para avaliar potenciais loci específicos, os casos foram combinados com controles da mesma ascendência. Já as análises GWAS foram realizadas separadamente por ascendência antes de meta-análises multiancestrais para os fenótipos de epilepsia focal (FE) e epilepsia genética generalizada (GGE), com 16.384 e 7.407 casos, respectivamente. De acordo com a pesquisadora, foi descoberto que a GGE (tipo que afeta os dois lados do cérebro), em particular, tem uma forte contribuição da variação genética comum. “Ao analisar síndromes GGE individuais descobrimos que até 90% da responsabilidade é atribuível a variantes comuns no subtipo epilepsia de ausência juvenil, tornando-o um dos mais altos de mais de 700 traços relatados em um grande atlas GWAS”, descreve.
Em contrapartida, os pesquisadores não encontraram pontos estatisticamente relevantes para as epilepsias focais – que têm origem em apenas um lado do cérebro. “O estudo identificou apenas uma pequena contribuição de variantes comuns para esse subtipo, sem que nenhuma variante alcançasse significância em todo o genoma. Ao que tudo indica, as epilepsias focais, como grupo, são muito mais heterogêneas que os GGE, carecem de loci com efeito elevado e têm um maior grau de poligenicidade e/ou menor contribuição de variação de risco hereditário comum, o que aponta para a necessidade de dar continuidade aos estudos sobre o tema”, avalia a docente. O grupo da pesquisadora tem desenvolvido estudos sobre a epilepsia de lobo temporal mesial (ELTM) com atrofia hipocampal, em que quase dois terços dos pacientes são altamente refratários ao tratamento medicamentoso.
Reaproveitamento – Os pesquisadores testaram o potencial da meta-análise para informar o reaproveitamento de medicamentos para outras doenças, prevendo a eficácia relativa para a epilepsia. “A análise baseou-se na capacidade prevista de cada medicamento em modular alterações relacionadas à epilepsia na função e abundância de proteínas, conforme inferido a partir das estatísticas resumidas do GWAS”, acentua. Os achados fornecem novos conhecimentos biológicos sobre a etiologia da doença e destacam medicamentos com eficácia prevista quando reaproveitados para tratar a epilepsia. Segundo a pesquisadora Iscia Teresinha Lopes-Cendes, uma análise tão inclusiva sobre a arquitetura genética da epilepsia só foi possível por causa do número expressivo de participantes de diversas etnias e localidades, incluindo o Brasil. ‘GWAS meta-analysis of over 29,000 people with epilepsy identifies 26 risk loci and subtype-specific genetic architecture’ foi publicado no periódico Nature Genetics em 2023.