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Limiar de transfusão para melhorar prognóstico de infarto e anemia

Escrito por: Fernanda Ortiz

A estratégia de transfundir pacientes com anemia apenas quando o nível de hemoglobina cai abaixo de 7 ou 8g por decilitro (dL) tem sido amplamente adotada na prática clínica em diversos cenários, inclusive cardiovasculares. A novidade, de acordo com resultados recentes do estudo ‘Myocardial Ischemia and Transfusion (MINT)’ é que níveis mais elevados de hemoglobina (acima de 10g/dL) poderiam beneficiar indivíduos com infarto agudo do miocárdio e anemia concomitante. Os achados de um ensaio clínico randomizado, que é o maior até hoje em avaliar os limiares de transfusão em pessoas com esse perfil, fornecem informações relevantes que poderão redefinir protocolos terapêuticos para a Cardiologia global.

O infarto agudo do miocárdio ocorre quando há uma obstrução – causada por um coágulo – de uma das artérias coronárias, interrompendo o fluxo sanguíneo e provocando a necrose das células de determinada região do músculo cardíaco. “Quando há ausência de sangue na região do coração, ocorre também carência de hemácias para garantir uma oxigenação adequada. Portanto, na presença de anemia (hemoglobina abaixo de 10g/dL) essa situação é ainda mais grave”, destaca o médico cardiologista Renato Lopes, fundador do Brazilian Clinical Research Institute (BCRI), professor de Medicina da Divisão de Cardiologia da Duke University, nos Estados Unidos, e membro do comitê executivo global do estudo MINT.

Apesar de a anemia ser relativamente comum em pessoas hospitalizadas com ataque cardíaco, estudos anteriores sobre estratégias de transfusão para pacientes com esse quadro específico produziram resultados conflitantes. De acordo com o cardiologista, enquanto alguns achados indicavam que dar mais transfusões de sangue parecia aumentar a quantidade de oxigênio para o coração e melhorar os desfechos clínicos, outros demonstravam que transfundir mais pode aumentar o risco de sobrecarga de líquidos, insuficiência cardíaca e reações alérgicas. “Essa incerteza sobre quando e quanto se transfundir foi o que motivou o desenvolvimento do estudo MINT, cujos resultados certamente auxiliarão os médicos a tomarem decisões embasadas no que temos de mais atual na literatura científica”, avalia o médico.

O ensaio clínico randomizado teve como objetivo avaliar os efeitos de estratégias liberais (limiar de hemoglobina >10g/dL) versus restritivas (limiar de hemoglobina 7 a 8g/dL) de transfusão sanguínea em pacientes com infarto agudo do miocárdio e anemia. Para isso, foram incluídos no ensaio 3.504 participantes hospitalizados com infarto agudo do miocárdio e anemia, entre 2017 e 2023, de 144 centros de pesquisa de Estados Unidos, Canadá, França, Nova Zelândia e Brasil. Com idade média de 72,1 anos, sendo 45% mulheres e 55% homens, todos os pacientes apresentavam doenças coexistentes e uma contagem de hemoglobina inferior a 10g/dL (a normal é entre 12 e 13).  “Além disso, aproximadamente 1/3 tinha história de infarto do miocárdio, intervenção coronária percutânea ou insuficiência cardíaca, e quase metade tinha insuficiência renal”, detalha o médico.

Os participantes foram escolhidos de maneira aleatória para uma estratégia de transfusão liberal ou restritiva. Na estratégia liberal, os glóbulos vermelhos foram transfundidos para manter a hemoglobina igual ou superior a 10g/dL até a alta hospitalar ou após um período de 30 dias. Já a estratégia restritiva foi permitida, mas não necessária, quando o nível de hemoglobina era inferior a 8g/dL; fortemente recomendada quando o nível era inferior a 7g/dL ou quando os sintomas anginosos não eram controlados com medicamentos. “Em ambas as estratégias foi administrada uma unidade de transfusão por vez, seguida da medição do nível de hemoglobina”, detalha o cardiologista Renato Lopes.

Resultados mostram evidências robustas

A análise constatou que, dos participantes que fizeram transfusão restritiva, 16,9% sofreram um ataque cardíaco recorrente ou morte. Já entre os que fizeram transfusão liberal, a taxa foi de 14,5%. Além disso, a morte cardíaca foi de 5,5% entre os pacientes da estratégia restritiva e 3,2% da estratégia liberal. As reações transfusionais foram incomuns e as diferenças absolutas na incidência entre os dois grupos foram pequenas. A insuficiência cardíaca e outros resultados clínicos de 30 dias foram semelhantes com as duas estratégias, sugerindo que não há risco indevido para transfusões mais liberais. “Os achados do estudo fornecem evidências robustas que, certamente, serão importantes na tomada de decisão sobre qual estratégia de transfusão será utilizada como conduta de preferência para pacientes que tiveram ataque cardíaco e anemia. Com isso, será possível chegar a um prognóstico mais desejável que possibilite melhorar as taxas de sobrevida e reduzir o risco de recorrência de infarto”, acentua o cardiologista. Os resultados da pesquisa MINT – patrocinada pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos – foram apresentados em 2023 no Congresso Anual da American Heart Association (AHA). O artigo ‘Restrictive or liberal transfusion strategy in myocardial infarction and anemia’ foi publicado no periódico científico New England Journal of Medicine. •

 

 

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