As pesquisas que avaliam a resistência da microbiota em relação ao câncer começaram na década de 1970 no Instituto Central Yakult. Depois de inúmeros estudos foi constatado que o L. casei Shirota possuía poderosa atividade antitumoral, uma vez que a cepa tem forte influência sobre o sistema imune. O mecanismo proposto pelos cientistas é que o LcS seja capturado pelos macrófagos ou pelas células dendríticas no intestino e, neste processo, as citocinas que ativam as células NK sejam ativadas, atacando as células cancerosas. Os pesquisadores constataram quatro mecanismos sugeridos como responsáveis pelos efeitos antitumorais do Lactobacillus casei Shirota: inibição da atividade das enzimas relacionadas à carcinogênese e produzidas pelas bactérias intestinais; ligação de pirolisados mutagênicos potentes aos corpos celulares; supressão, na urina, da atividade mutagênica derivada dos alimentos; e imunomodulação.
Ao longo dos anos, a eficácia do Lactobacillus casei Shirota foi avaliada em estudos relacionados a neoplasias de bexiga, colorretal, pólipo adenomatoso e mama, com resultados considerados promissores. Mais recentemente, cientistas do Instituto Central Yakult e do Osaka International Cancer Institute investigaram a correlação entre as concentrações de ácidos orgânicos fecais pré-operatórios e a ocorrência de complicações infecciosas pós-operatórias em pacientes com câncer de esôfago submetidos à esofagectomia subtotal – uma das cirurgias gastrointestinais mais invasivas e que está associada a altas taxas de morbidade e mortalidade –, que receberam simbióticos antes dos procedimentos. Pacientes com câncer de esôfago submetidos à esofagectomia apresentam vários fatores de risco que podem impactar negativamente o ambiente intestinal, como desnutrição devido à estenose do câncer, terapia pré-operatória, estresse cirúrgico, uso de antibióticos, jejum pós-operatório e nutrição parenteral. No entanto, se o ambiente intestinal pré-operatório for mantido, as complicações infecciosas pós-operatórias podem ser reduzidas.
Os autores explicam que a fermentação de carboidratos pela microbiota intestinal produz ácidos orgânicos, entre os quais os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), que desempenham uma variedade de papéis importantes na manutenção da função de barreira da mucosa intestinal e na prevenção da translocação bacteriana. Os AGCC estimulam a proliferação e diferenciação das células epiteliais intestinais e a secreção de muco pelas células caliciformes, mantêm a acidez do intestino e suprimem o crescimento de bactérias nocivas. “O ácido acético – ácido orgânico mais comum – tem um efeito antimicrobiano em bactérias nocivas e promove as funções defensivas das células epiteliais hospedeiras. O ácido butírico é a principal fonte de células epiteliais colônicas, induz a diferenciação de células T reguladoras e melhora a inflamação intestinal crônica em camundongos”, detalham, ao defender que manter a concentração de AGCC antes do dano iatrogênico do trato gastrointestinal é útil para prevenir translocação bacteriana.
Segundo os autores, vários investigadores demonstraram que agravos severos, como cirurgia de grande porte e a síndrome da resposta inflamatória sistêmica grave, perturbam o ambiente intestinal, em particular a microbiota, diminuindo as concentrações desses ácidos orgânicos. Em estudos anteriores, a esofagectomia em pacientes com câncer de esôfago perturbou a microbiota e diminuiu as concentrações de ácidos orgânicos, enquanto a administração de simbióticos perioperatórios encurtou significativamente a duração da síndrome da resposta inflamatória sistêmica pós-operatória e reduziu as complicações infecciosas, mantendo a microbiota intestinal e as concentrações de ácidos orgânicos.
Neste estudo, participaram 55 pacientes com câncer de esôfago torácico submetidos a esofagectomia transtorácica com linfadenectomia de dois ou três campos e reconstrução com estômago ou jejuno. Todos receberam o produto com probióticos Yakult BL Seichoyaku contendo Bifidobacterium breve cepa Yakult e Lactobacillus casei Shirota, e prebióticos galactooligossacarídeos. Antes da cirurgia, os simbióticos foram administrados por via oral e, após a cirurgia, por sonda de alimentação enteral ou por via oral. Cerca de dois terços dos pacientes receberam quimioterapia ou quimiorradioterapia pré-operatória, e os pesquisadores realizaram uma subanálise apenas nesses pacientes, examinando a correlação entre o número pré-operatório de anaeróbios fecais obrigatórios representativos ou as concentrações fecais de ácidos orgânicos, e a incidência de complicações infecciosas pós-operatórias.
Os resultados mostraram que não houve diferença significativa no número de anaeróbios fecais obrigatórios representativos entre os dois grupos, enquanto as concentrações de ácido acético e ácido propiônico foram significativamente menores em pacientes com complicações. “As concentrações pré-operatórias de ácido acético, ácido propiônico e ácido butírico, que compõem a maioria dos ácidos graxos de cadeia curta, tiveram um impacto clinicamente importante”, resumem os autores. Considera-se que a concentração de AGCC reflete a função da microbiota intestinal. Assim, a concentração de AGCC foi útil para prever complicações infecciosas pós-operatórias no estudo.
Embora o experimento tenha tido algumas limitações, como número pequeno de pacientes, os cientistas afirmam que o uso de simbióticos pode ser útil para modular o ambiente intestinal e manter as concentrações fecais de AGCC. Após o estudo, os médicos do Departamento de Cirurgia do Osaka International Cancer Institute passaram a administrar simbióticos perioperatórios a todos os pacientes com câncer de esôfago programados para serem submetidos a esofagectomia. “Se um paciente apresentar baixas concentrações de ácidos graxos de cadeia curta após receber simbióticos, deve-se prestar mais atenção durante o período perioperatório para prevenir complicações infecciosas pós-operatórias”, orientam. O estudo ‘Impact of preoperative fecal short chain fatty acids on postoperative infectious complications in esophageal cancer patients’ foi publicado no BMC Gastroenterology (74 2020).