A prevalência de obesidade, diabetes e doenças crônicas não transmissíveis só aumenta no mundo e os cientistas têm procurado entender se haveria alguma relação entre as bactérias intestinais e seus subprodutos nessas enfermidades. Uma vez que a microbiota intestinal é reconhecida como um órgão endócrino envolvido na homeostase energética, uma das hipóteses é que o desbalanço da população de microrganismos desse ambiente poderia alterar a produção de peptídeos gastrointestinais relacionados à saciedade, resultando no aumento da ingestão de alimentos por parte desses indivíduos.
Um dos fatores para essa associação pode ser o fato de o metabolismo de algumas bactérias intestinais facilitar a extração de calorias da dieta, aumentar a deposição de gordura no tecido adiposo, exacerbar processos inflamatórios hepáticos e fornecer energia e nutrientes para o crescimento e a proliferação microbiana. A afirmação faz parte das conclusões de uma revisão sistemática publicada na revista Gut Microbes, em 2018, de autoria de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
O professor associado da UFG, João Felipe Mota, um dos autores do artigo, enfatiza que essas hipóteses foram estabelecidas em estudos com animais, e relações causais em humanos são necessárias. Além disso, embora alguns cientistas já tenham caracterizado a microbiota de indivíduos obesos, os resultados não passam de associações e, por isso, alguns são discordantes. “Os estudos científicos têm relatado uma relação desse desbalanço da população intestinal por meio de vários mecanismos em que a microbiota poderia estar envolvida para levar ao desenvolvimento de obesidade e das comorbidades associadas”, acentua. Os estudos que avaliaram a microbiota de obesos indicam que a disbiose parece estar relacionada ao aumento do filo Firmicutes, do gênero Clostridium, e das espécies Eubacterium rectale, Clostridium coccoides, Lactobacillus reuteri, Akkermansia muciniphila, Clostridium histolyticum e Staphylococcus aureus.
O pesquisador – que também é coordenador sênior de pesquisa da APC Microbiome da University College Cork, na Irlanda – acrescenta que é difícil chegar a uma conclusão mais precisa sobre essa interface, porque o que se tem até o momento são estudos observacionais. “Ainda não temos estudos mostrando a causalidade, mas sabemos que o microbioma intestinal tem participação no desenvolvimento das doenças crônicas não transmissíveis com fundo imunológico. No entanto, temos de entender qual é o componente: bactérias, metabólitos, derivados como ácido biliar ou ácidos graxos de cadeia curta. Se conseguirmos desvendar a causalidade, poderemos direcionar a intervenção e obter resultados mais significativos”, avalia. A hipótese do grupo é que cada componente tem um efeito separadamente, seja metabólico, fisiológico ou imunológico.
Dos estudos avaliados na revisão, a maioria afirma que a melhora ocorre devido aos ácidos graxos de cadeia curta. No entanto, há contradições porque esses elementos contribuem com apenas 10% da caloria total que um indivíduo ingere. “Vários estudos sobre a ação dos ácidos graxos propionato e acetato mostram mecanismos que promovem e controlam a obesidade. O primeiro estudo clínico sobre o tema associou inulina a propionato e observou pequena melhora na obesidade, embora em indivíduos diabéticos tenha havido maior efeito. Portanto, estabelecer uma relação entre microbiota e obesidade ainda é bastante confuso”, acentua o pesquisador, que participa de estudos clínicos para reformulação de alimentos ultraprocessados e com simbióticos na University College Cork para avaliar os efeitos em indivíduos acima do peso.
Um dos estudos vai unir o consumo de prebióticos para fornecer uma alimentação para indivíduos com sobrepeso objetivando modular a microbiota e verificar potenciais efeitos positivos sobre a glicemia pós-prandial e saciedade. Outro visa formular esses alimentos associando diferentes tipos de fibras purificadas para verificar os efeitos sobre saciedade, microbioma e glicemia, para estabelecer diferenças quando os participantes fazem uso de um mix de fibras. “Em outro estudo, vamos trabalhar com obesos para testar probiótico, prebiótico, simbiótico e placebo. Queremos saber qual será o desfecho primário em relação ao sistema imune e aos marcadores inflamatórios, porque esse público tem esses marcadores em maior concentração”, detalha.