O envenenamento por picada de cobra é um problema de saúde pública negligenciado, que afeta milhares de pessoas todos os anos, principalmente em países tropicais. A única terapêutica é a soroterapia, via administração de antivenenos. Compostos por imunoglobulinas ou fragmentos de imunoglobulinas, esses antivenenos são obtidos do plasma de animais de grande porte hiperimunizados com os venenos de interesse. Com o avanço da ciência, novas estratégias têm sido investigadas para ampliar o acesso ao tratamento. Uma delas é o uso de anticorpos monoclonais (mAbs).
De acordo com um estudo de revisão publicado recentemente por pesquisadores do Instituto Butantan, os mAbs – assim como seus fragmentos – podem ser usados para o desenvolvimento de antivenenos de nova geração. Esses antivenenos são específicos para neutralizar as principais toxinas da picada de cobra e, dessa forma, será possível oferecer novas opções de tratamento para o ofidismo.
Os autores do estudo explicam que os IgGs são a classe mais abundante de anticorpos monoclonais (mAbs) aprovados para uso terapêutico. “Podendo ser de origem humana ou animal, os mAbs são anticorpos produzidos por um único linfócito B, que é clonado e imortalizado para produzir sempre os mesmos anticorpos”, destacam. Já existem tratamentos registrados pelas agências reguladoras que usam mAbs humanos para tratar doenças crônicas, mas nenhum está aprovado ainda contra o envenenamento por cobras.
Comprovações
Os primeiros formatos de anticorpos para antivenenos recombinantes foram IgGs monoclonais e fragmentos variáveis de cadeia única. Estudos in vivo demonstraram que IgGs monoclonais direcionados a toxinas de cobra são capazes de neutralizar os efeitos miotóxicos, hemorrágicos e proteolíticos. Outro formato de anticorpo amplamente utilizado na imunoterapia contra picadas de cobra é o Fab, utilizado principalmente na soroterapia convencional em mistura policlonal. Os fragmentos de anticorpos, devido ao seu pequeno tamanho, difundem-se rapidamente pelo corpo, atingindo uma maior biodistribuição tecidual quando comparado à soroterapia convencional.
De acordo com a revisão, os mAbs estão entre as novas estratégias investigadas. Assim, vários anticorpos monoclonais distintos foram estudados nas últimas décadas, desenvolvidos contra toxinas de diferentes animais venenosos como, por exemplo, cobras e escorpiões e aranhas. “Esses estudos mostram que mAbs e/ou fragmentos de anticorpos são viáveis e podem ser o próximo passo na terapia para picadas de cobra”, explicam os autores.
Uma das principais vantagens do uso de mAbs é a possibilidade de criar um único coquetel de anticorpos específicos para diferentes classes de toxinas. Além disso, essa nova frente possibilitará reduzir o uso de animais para produção. “Como o tratamento de picadas de cobra historicamente utilizou a imunização de grandes mamíferos, a substituição por soros recombinantes feitos a partir de um coquetel de anticorpos monoclonais pode, sem dúvida, ser uma alternativa também segura e com custo mais baixo”, concluem os autores.
Soroterapia
Os antivenenos são eficazes na prevenção de muitos dos efeitos letais e prejudiciais, podem ser criados contra o veneno de uma única espécie (monoespecífico) ou de múltiplas espécies (poliespecífico). A grande maioria dos fabricantes desses produtos refina a imunoglobulina IgG extraída do plasma animal, produzindo fragmentos F(ab’)2 através da digestão enzimática com pepsina. Outras metodologias usam papaína para produzir fragmentos Fab ainda menores, mantendo a eficácia e melhorando a distribuição nos tecidos. O artigo ‘Antibodies as snakebite antivenoms: past and future’ foi publicado na revista Toxins, em 2022.