Com as evidências indicando que as alterações crônicas no funcionamento normal do intestino, no longo prazo, podem agravar a doença pulmonar, aliadas à compreensão do eixo intestino-pulmão, os pesquisadores passaram a investigar a possibilidade de modular a microbiota intestinal para recompor ou amenizar as alterações intestinais que poderiam comprometer inflamações à distância. O que se tenta compreender é qual população de bactérias não patogênicas no intestino poderia melhorar, de forma mais específica e eficaz, a doença inflamatória pulmonar. Nos últimos anos, os probióticos têm recebido especial atenção, e os cientistas querem compreender se essas cepas poderiam diminuir a disbiose intestinal e ser uma forma eficaz de recompor, inclusive, a microbiota pulmonar.
“Os estudos em relação a isso avançaram depois da constatação de que realmente existe uma microbiota pulmonar nativa, embora não tenha a mesma diversidade da microbiota intestinal”, afirma o professor Flavio Aimbire, docente na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – campus São José dos Campos, pesquisador colaborador no Programa de Pós-graduação em Biotecnologia e orientador no Programa de Pós-graduação em Medicina Translacional da Instituição. O grupo do Laboratório de Imunofarmacologia da Unifesp estuda modelos de inflamações pulmonares crônicas que tenham margem de tratamento. Além disso, busca entender qual o mecanismo de ação dos probióticos no tratamento dessas doenças que prejudicam o funcionamento do pulmão, avaliando de que maneira interagem para causar um efeito benéfico. O grupo investiga, ainda, se os probióticos são capazes de restaurar a população de bactérias benéficas no intestino de indivíduos asmáticos – lembrando que a literatura mostra que algumas crianças que passam por episódios de bronquiolite podem desenvolver asma na fase adulta.
O objetivo dos pesquisadores é propor que os probióticos possam auxiliar no tratamento da doença inflamatória pulmonar sem causar efeitos colaterais. Essa experiência abre, ainda, a possibilidade de reduzir a dose e a frequência de uso dos corticoides – geralmente usados para controle das crises. O grupo avalia o uso do probiótico em forma de spray nasal ou de vasodilatador para ser usado por via oral por indivíduos cuja inflamação pulmonar ocorra por uma alteração de bactérias no próprio pulmão. O professor Flavio Aimbire ressalta que, neste caso, não há necessidade de haver uma integridade intestinal para cuidar desse indivíduo, uma vez que essa alteração do pulmão não foi por causa de uma alteração intestinal. Além disso, seria possível baratear o custo da intervenção e tratar a doença mais diretamente, com menos vias de passagem desse probiótico. “Se temos uma microbiota pulmonar, por que não tratar especificamente do pulmão se o paciente não tem problemas intestinais evidentes?”, questiona.
Nos estudos na Unifesp, os pesquisadores utilizam o Lactobacillus, cujo efeito é significativo em incontáveis pesquisas. Dentre os focos estão compreender o que esse probiótico gera ao interagir com a célula imune, se tem um mecanismo de ação similar ao farmacológico, se ocupa outros alvos e, se é capaz de realmente modular o pulmão, qual seria o probiótico ideal. “Publicamos um estudo experimental com murinos em que mostramos que o probiótico Lactobacillus rhamnosus é capaz de atenuar a resposta inflamatória e imune em um modelo de inflamação pulmonar induzido pela exposição à fumaça de cigarro. Esse estudo é interessante pois, neste modelo murino, os animais são resistentes ao tratamento farmacológico com corticoides. Esse modelo experimental mimetiza os tabagistas que não respondem bem aos corticoides. No entanto, mesmo nessa condição, o probiótico conseguiu atuar como um agente anti-inflamatório”, relata.
Uma vez que alguns tabagistas não respondem ao tratamento farmacológico com corticoides, o probiótico poderia ajudar porque criaria um ambiente intestinal e pulmonar no qual o corticoide passaria a ser funcional. O estudo mostra que, neste modelo, é o receptor de um AGCC que interfere na ação do probiótico. O estudo ‘Involvement of GPR43 receptor in effect of Lacticaseibacillus rhamnosus on murine steroid resistant chronic obstructive pulmonary disease: relevance to pro-inflammatory mediators and oxidative stress in human macrophages’ foi publicado em 2024 na Nutrients.
O professor acrescenta que as células da resposta imune, que cuidam do processo inflamatório, possuem receptores específicos para alguns ácidos graxos de cadeia curta. Por isso, em um dos trabalhos, o receptor do butirato foi bloqueado e o efeito do probiótico reduziu significativamente. Portanto, aprender a usar os probióticos poderá ajudar a potencializar essa proteção. “Na bronquiolite, por exemplo, esse probiótico precisaria diminuir o processo inflamatório porque é isso que estreita os bronquíolos da criança para que o ar não passe. Reduzir a inflamação é importante, mas também é importante fazer esse probiótico aumentar a imunidade da criança para combater o vírus com mais eficácia”, destaca.
Encapsulado
Em conjunto com pesquisadores do Programa de Biotecnologia da Unifesp, o grupo também está tentando encapsular o probiótico para colocá-lo nas vias aéreas de uma forma mais direcionada. O professor acredita que isso seja viável clinicamente para entregar uma quantidade de probiótico mais adequada e direcionada para o paciente asmático. O docente enfatiza que o probiótico não é substitutivo para a terapia farmacológica convencional, geralmente prescrita com corticoides e broncodilatadores, inclusive na bronquiolite – que pode ir do estágio leve para o grave em tempo muito curto. “Muitas vezes, quando fica grave a criança passa a ter um esforço respiratório e um comprometimento importante. Portanto, em uma crise respiratória muito grande não dá para usar um probiótico, ainda que nasal. Até porque, o probiótico precisa de tempo para a adaptação do organismo”, destaca. •