Na aula sobre microrganismos vivos dietéticos relacionados à alimentação saudável, o diretor do Departamento Científico da Yakult Europa, Bruno Pot, elencou cinco itens importantes para a definição dessa classe e lembrou que a categoria não inclui microrganismos não viáveis (posbióticos). Assim, a categoria envolve microrganismos vivos (bactérias e esporos), Archaea, fungos e leveduras. A categoria difere dos probióticos tradicionais pelo fato de que estes últimos foram estudados por benefícios à saúde por meio de ensaios clínicos de boa qualidade. Para dar suporte à criação dessa nova categoria, lembrou a ‘hipótese da higiene’ de JF Bach, cunhada em 2001 defendendo que o contato com patógenos, em um estágio inicial da vida, era necessário para amadurecer totalmente o sistema imunológico.
Em 2006, foi confirmada a importância da microbiota comensal no treinamento do sistema imunológico dos recém-nascidos e na manutenção do sistema imunológico ao longo da vida. Hoje, mais informações foram obtidas sobre a importância de uma microbiota intestinal diversificada na manutenção da saúde, na oferta de um maior grau de resiliência contra possíveis danos e na prevenção de diferentes doenças. “No entanto, a sociedade ocidental reduziu gradualmente a exposição a fontes ambientais e dietéticas de microrganismos, o que pode explicar o aumento de distúrbios imunológicos e metabólicos”, acentua.
Danos
Os danos à microbiota podem ser múltiplos e têm sido associados a fatores de estilo de vida como dieta, estresse, idade, tabagismo ou intervenções médicas por antibióticos, quimioterápicos, uso de inibidores da bomba de prótons ou outros medicamentos. Todos esses fatores contribuem para uma microbiota perturbada ou disbiótica. “Uma microbiota disbiótica está cada vez mais associada a condições específicas de risco para a saúde, como obesidade, diabetes, alergias ou doenças autoimunes, bem como a diferentes tipos de distúrbios neurais a exemplo de ansiedade, transtorno do espectro autista, doença de Parkinson, doença de Alzheimer e outros”, reforça.
De acordo com o diretor, por meio de iniciativas como o Institute for the Advancement of Food and Nutrition Sciences (IAFNS) foi possível realizar uma revisão de escopo para determinar a amplitude das evidências disponíveis para apoiar a existência de benefícios para a saúde do consumo de microrganismos vivos alimentares (Live Dietary Microbes ou LDM). As conclusões foram que uma dose de ≥2 x109 UFC/dia foi associada a desfechos não negativos e populações com idade média de 39 anos foram associadas a resultados positivos.
O International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP), por sua vez, usou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (NHANES) de 2001-2018 sobre o número estimado de microrganismos vivos presentes nos alimentos para extrapolar a ingestão diária de adultos e analisar associações com parâmetros de saúde específicos. “Os resultados sugeriram que alimentos com altas concentrações microbianas (>107 UFC vivas/g) estão associados a melhorias modestas na saúde em uma variedade de resultados. Os dados comparáveis dos dois estudos demonstraram que há evidências suficientes para justificar mais pesquisas nessa área”, sinaliza o diretor.
Importância
O mercado global de probióticos é estimado em US$ 10 bilhões, com maior representatividade dos setores de bebidas e alimentos processados. A professora doutora Celia Lucia de Luces Fortes Ferreira, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, lembra que em 1984 os japoneses já introduziram o Foods of Special Health Uses (FOSHU), cujo objetivo era oferecer uma medicina baseada em produtos que ofertassem nutrientes para a defesa do organismo, além de sabor.
A missão também era coibir problemas de saúde gerados pelo aumento de doenças não transmissíveis. “Em 1989, o microbiologista Roy Fuller criou a definição de alimentos funcionais e probióticos e, no início da década de 1990, já começaram a surgir as regulações. Esses regulamentos envolvem a indústria, a academia e toda a cadeia de consumo”, comenta. Cada país tem uma determinada regulação para prebióticos, probióticos e alimentos funcionais de forma geral. No Brasil, a análise está sob a responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
De acordo com a professora, a correlação positiva das crescentes preocupações com dietas de alto teor energético, açúcar e sal, agravadas pela atividade física insuficiente e pelo aumento de doenças relacionadas à dieta, tornou-se mais evidente nas últimas duas décadas do século XX. Da mesma forma, o aumento da população idosa se correlaciona com a maior incidência e prevalência de doenças crônicas. Assim, as duas situações indicam a importância dos alimentos funcionais e produtos alimentícios funcionais, assim como dos alimentos probióticos para a saúde. “O mercado de alimentos funcionais tem passado por constante inovação, ao mesmo tempo em que novas frentes de pesquisa têm sido desenvolvidas, mecanismos desvendados, regulamentações sendo propostas e a terminologia relevante vem sendo continuamente redefinida”, ressalta.
Probióticos, microrganismos probióticos e produtos alimentícios probióticos estão entre os alimentos e/ou componentes bioativos mais estudados, compreendendo a maioria dos produtos alimentícios regulamentados e registrados como funcionais. A professora lembra, ainda, que há cerca de três décadas o Brasil era o único país sul-americano onde existia legislação regulatória sobre alimentos funcionais. No entanto, os termos probióticos evoluíram e uma grande variedade de produtos está disponível comercialmente no Brasil e no mundo atualmente. Por causa disso, as orientações baseadas na ciência tornaram-se cada vez mais essenciais para os profissionais da saúde, a indústria e os consumidores, de modo a contribuir para a melhor utilização desses produtos no âmbito de regimes alimentares equilibrados e estilos de vida saudáveis.
One Health
O diretor de Pesquisa e Inovação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) – vinculada ao Ministério da Agricultura – Clenio Pillon, apresentou o conceito One Health e suas inter-relações entre saúde e bemestar de pessoas, animais e ecossistemas. “Mais do que satisfazer as necessidades nutricionais, a dieta influencia a composição e a atividade metabólica do ecossistema microbiano no intestino”, reforça. As principais linhas de atuação da EMBRAPA com probióticos incluem a prospecção de bactérias autóctones benéficas à saúde, seja pelo seu potencial probiótico intrínseco ou pela produção de substâncias como enzimas e antimicrobianos.
Ademais, visa incorporar probióticos diretamente nas matrizes alimentares ou utilizar técnicas como o encapsulamento para promover a extensão da sua viabilidade e libertação controlada, isolamento, caracterização e avaliação da atividade probiótica. Por fim, objetiva o desenvolvimento de novos produtos lácteos ou não lácteos como portadores de microrganismos probióticos, assim como tecnologias para preservação de alimentos.