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Dispositivo para chagásicos

Escrito por: Elessandra Asevedo

Dos infectados com o parasito ­Trypanosoma cruzi na fase crônica, 30% ­podem desenvolver danos no coração em diversos graus, desencadear insuficiência cardíaca e ser candidato a um ­transplante. Isso porque o protozoário se aloja no coração provocando fibrose, ­inflamação e outros processos que prejudicam o seu funcionamento. Com foco nesse grupo, pesquisadores do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP) iniciaram um estudo que busca uma maneira de melhorar o funcionamento do coração enfraquecido pela doença. O dispositivo alvo da pesquisa é um modulador da contratilidade cardíaca (CCM) cujo diferencial está na liberação de um impulso elétrico de alta energia durante um período específico do batimento cardíaco.

O equipamento, que é instalado de forma permanente no coração, entra em ação quando o órgão se contrai, intensificando a força de bombeamento do sangue que as cavidades cardíacas captaram no momento do seu relaxamento. Diferentemente de marca-passos convencionais, o aparelho libera o pulso elétrico a cada batimento, funcionando de forma constante enquanto estiver acoplado no coração. “Estados Unidos, Canadá e Europa já utilizam o equipamento, que é regularizado nos casos de doenças cardíacas como infarto, cardiomiopatia dilatada e insuficiência cardíaca. Entretanto, nunca foi testado para a cardiomiopatia chagásica. Assim, a nossa será a primeira pesquisa do mundo”, pontua o médico cardiologista Martino Martinelli, docente da FMUSP e diretor da Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca do InCor.

O estudo clínico randomizado terá 60 pacientes com insuficiência cardíaca. O modulador da contratilidade cardíaca vai ser comparado com um marca-passo ressincronizador, que tem sido utilizado em pacientes com doença de Chagas e insuficiência cardíaca. O estudo está em andamento e seis pacientes já foram incluídos no protocolo de pesquisa. “Os resultados preliminares são animadores, pois mostram melhora na qualidade de vida do paciente que recebeu o dispositivo. Entre os possíveis benefícios está a menor frequência de internações e mais disposição para atividades físicas, podendo substituir ou adiar a ­necessidade de um transplante”, sinaliza.

O implante do dispositivo CCM está incluso na última Diretriz Brasileira de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos, de 2023, mas ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) ou na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e será aplicado conforme protocolo de pesquisa elaborado e coordenado pelo InCor. Portanto, o objetivo do estudo é criar evidências científicas que possam ajudar na tomada de decisão dos órgãos da saúde pública, pois sempre se leva em consideração os custos envolvidos nos pacientes com e sem intervenção. “Nossos resultados podem abrir caminho para uma nova e inédita opção de tratamento da insuficiência cardíaca em pacientes com doença de Chagas”, reforça o professor Martino Martinelli.

Riscos associados ao coração

Além de envolver o sistema de condução do coração causando bloqueios elétricos no órgão, a doença de Chagas pode deixá-lo lento, com a necessidade de implantar um marca-passo. “Outro risco é de taquiarritmia, que são arritmias rápidas e graves que fazem com que o paciente tenha de colocar o dispositivo cardioversor desfibrilador implantável”, acentua o professor. A doença também pode causar aneurismas que levam à formação de coágulos que, ao se desprenderem, podem provocar embolias cerebral e periférica.

Como os tratamentos nem sempre evitam a evolução da doença, o transplante de coração pode se tornar a melhor opção para alguns pacientes. No entanto, a alternativa também tem limitações, como a rejeição do novo órgão e a necessidade de uso permanente de medicamentos. A baixa disponibilidade de doadores e a fila de espera levam os especialistas a buscar procedimentos que melhorem as opções para esses pacientes crônicos.

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