A alimentação de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) requer atenção cuidadosa e sensibilidade por parte das famílias. De acordo com estudo divulgado pela Associação Autismo e Realidade, entre 2018 e 2021, de 70% a 80% das crianças com TEA apresentavam algum grau de transtorno do processamento sensorial. A condição pode causar hipersensibilidade a estímulos como textura, cheiro, temperatura ou aparência dos alimentos.
Essa sensibilidade ampliada interfere diretamente na aceitação alimentar e contribui para quadros de seletividade severa, dificultando a manutenção de uma dieta equilibrada. De acordo com o nutricionista Celso Felipe Roos Hofstatter, da rede AmorSaúde, esse comportamento seletivo é comum no TEA. “Muitas crianças do espectro têm o sistema sensorial mais aguçado, e isso faz com que pequenas características de um alimento, como ser crocante demais ou muito mole, sejam percebidas de forma desconfortável”, explica.
Por causa disso, essas crianças acabam gerando resistência e, em alguns casos, repulsa alimentar. O especialista acentua que é preciso compreender que, para essas crianças, comer representa um desafio concreto e não uma manifestação de birra ou desobediência. “Além da textura, a hipersensibilidade a estímulos tem relação com cheiros fortes, cores muito intensas e determinadas temperaturas”, acentua. Essa hipersensibilidade também pode causar incômodo, afetando diretamente a disposição da criança em experimentar os alimentos.
Formas de apresentação
A seletividade alimentar pode comprometer a ingestão de nutrientes essenciais como fibras, vitaminas e minerais. “Em suma, quando a alimentação se baseia apenas em produtos ultraprocessados, ricos em açúcar e gordura, há um risco real de prejuízos ao crescimento, ao desenvolvimento cognitivo e ao bom funcionamento intestinal”, destaca o nutricionista. Diante desse cenário, a introdução de alimentos saudáveis deve ser feita com paciência e respeito às preferências sensoriais.
O nutricionista recomenda que os novos alimentos sejam apresentados aos poucos, sem imposição, preferencialmente em pequenas porções e juntamente com itens com melhor aceitação. “Mesmo que a criança não coma de imediato, o simples fato de tocar, cheirar ou observar o alimento já representa um avanço”, orienta. Em resumo, a exposição frequente e respeitosa é mais eficiente do que qualquer tentativa de forçar a aceitação.
Respeitar preferências
Por outro lado, é fundamental evitar atitudes que podem agravar a seletividade. Por exemplo, forçar a criança a comer, retirar alimentos que aceita bem ou transformar as refeições em momentos de tensão e cobrança são erros comuns. Ademais, punições, ameaças ou insistência excessiva acabam criando associações negativas com a comida e podem intensificar ainda mais a resistência. “Essas abordagens, ainda que motivadas pelo cuidado, dificultam o processo de aceitação alimentar”, afirma o nutricionista.
Portanto, o ideal é criar um ambiente seguro, no qual a criança possa explorar sabores e texturas no seu tempo. “Comer precisa ser um momento de prazer, não de disputa. Mesmo diante de preferências restritas, é possível manter uma alimentação equilibrada”, garante. A chave está na adaptação e na criatividade. Assim, substituições por alimentos de textura semelhante, preparações enriquecidas com ingredientes escondidos e o uso de sopas ou purês são alternativas viáveis.
Uma prática que costuma ajudar bastante é envolver a criança no preparo das refeições, como lavar os legumes, mexer a massa ou montar o prato. “Isso desperta curiosidade e aumenta o vínculo com o alimento, o que pode favorecer a aceitação”, sugere. Dentro deste contexto, é fundamental manter o acompanhamento profissional, pois cada criança tem um universo sensorial próprio. De acordo com o nutricionista, o apoio de um profissional de Nutrição e, quando necessário, de uma equipe multidisciplinar é essencial para promover o desenvolvimento saudável e respeitar as individualidades.
Dicas práticas para os pais
- Evitar comparações com outras crianças ou irmãos
- Respeitar os sinais da criança e não forçar o consumo
- Fazer da hora da refeição um momento tranquilo, sem distrações
- Manter uma rotina alimentar organizada e previsível
- Oferecer os alimentos em diferentes formatos e apresentações
- Transformar a alimentação em uma experiência lúdica
- Fazer brincadeiras sensoriais com utensílios coloridos e histórias relacionadas ao alimento podem tornar esse momento mais leve
- Usar reforços positivos, como elogios ou recompensas não alimentares, pois isso contribui para reduzir a ansiedade e aumentar a aceitação de novos alimentos
