A literatura científica indica que existem vias indiretas de circulação sistêmica por meio das quais o microbioma intestinal modula o eixo cérebro-intestino-microbiota, como as vias endócrinas (cortisol), imunes (citocinas) e neurais, através do sistema nervoso entérico, de nervos espinhais e do nervo vago. Desde que começaram os estudos sobre essa conexão, na década de 1990, evidências crescentes sugerem que a comunidade que habita o trato gastrointestinal é essencial para o desenvolvimento e amadurecimento dos sistemas cerebrais. Estudos recentes mostraram que diversas formas de transtornos neuropsiquiátricos – como depressão, ansiedade e esquizofrenia – podem estar associadas ou moduladas por variações no microbioma e por substratos microbianos. Além disso, esse universo microscópico pode ter um papel importante no aparecimento de transtornos neurodegenerativos e do neurodesenvolvimento, e interferir até mesmo no aprendizado e na memória.
Vários compostos neuroativos são gerados pelas bactérias intestinais, como catecolaminas, norepinefrina, dopamina, histamina, serotonina e ácido gama-aminobutírico (GABA), que podem interagir diretamente com receptores do sistema nervoso entérico. Além disso, alguns microrganismos intestinais são capazes de sintetizar neurotransmissores localmente, e metabólitos microbianos neuroativos podem modular o cérebro e o comportamento humano por meio de diversos mecanismos – que ainda não estão totalmente elucidados. Entre outros desafios, os cientistas querem comprovar se esses metabólitos atuam sobre as células epiteliais impactando a função da barreira intestinal e as células enteroendócrinas para liberar hormônios gastrointestinais, bem como células dendríticas para modular a função imunológica.
Ao envelhecer, há uma relativa redução da superfície mucosa, diminuição das vilosidades intestinais, alteração do tempo do trânsito intestinal e redução da resistência mecânica da parede colônica. A microbiota de idosos também tem um índice de 0,6 de Firmicutes/Bacteriodetes, muito baixo se comparado ao de um adulto (10,9), o que pode justificar a disbiose típica desta fase da vida. Além de levar a disfunções funcionais importantes, a ação do subproduto das bactérias patogênicas pode produzir metabólitos – hormônios, citocinas – que agem no hipocampo, e algumas hipóteses sugerem que as substâncias tóxicas produzidas por essas bactérias no intestino poderiam atravessar a barreira hematoencefálica e causar alterações no cérebro.
Para o geriatra Vinicius Ribeiro Leduc, pesquisador do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-FMUSP), a influência da microbiota intestinal nas doenças neuropsiquiátricas está muito clara nos estudos desenvolvidos nos últimos dois anos, e é necessário relacionar o que ocorre nesse ambiente com o envelhecimento e de que maneira essas alterações poderiam colaborar para o surgimento de doenças neurodegenerativas. “Excesso de medicamentos, falta de atividade física e baixa exposição solar, situações que acompanham muitos idosos, também têm influência negativa na microbiota e se retroalimentam pelo eixo intestino-cérebro”, acentua. Enquanto o superestímulo do nervo vago ajuda no controle de depressão e ansiedade, lesões nesse nervo diminuem a proliferação e sobrevivência de neurônios do hipocampo (aprendizado e memória), e aumento de micróglia (células de defesa) nesta região, levando a esses quadros comuns entre idosos.
Síndrome de Down
O grupo de pesquisa do IPq-USP está iniciando um projeto para avaliar a microbiota intestinal de pacientes com síndrome de Down com mais de 20 anos. Uma das características dessa população é o envelhecimento precoce, inclusive neurológico, e os pesquisadores querem entender quem envelhece primeiro: o organismo ou a microbiota. Para isso, pretendem avaliar a evolução da microbiota dos indivíduos ao longo da vida. “Pessoas com síndrome de Down apresentam muita apneia do sono, sonolência diurna, alteração cognitiva, risco elevado para sobrepeso e obesidade, ansiedade e depressão, além de serem sensíveis ao uso de medicamentos psiquiátricos. A partir dos 40 anos, como o organismo já está bem envelhecido, há risco aumentado para doença de Alzheimer precoce”, ressalta o geriatra. Outro braço do projeto analisa a microbiota oral desses pacientes.