Sono é um indicador de saúde

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Restrição de sono afeta saúde infantil

Escrito por: Fernanda Ortiz

O sono é um indicador de saúde e bem-estar e, na infância, é determinante, pois os processos neurofisiológicos que ocorrem no cérebro durante o descanso contribuem para o crescimento, fortalecimento do sistema imunológico e desenvolvimento cogniti­vo. Por outro lado, a irregularidade no tempo e na rotina de sono pode impactar negativamente a qualidade de vida das crianças. Recentemente, pesqui­sa realizada na ­Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP­-USP) comprovou que a restrição de sono associada ao excesso de gordura corporal também pode ser um gatilho para doenças inflamatórias.

Utilizando como referência o tempo de sono recomendado pela National Sleep Foundation (NSF) – organização norte­-americana que promove a compreensão sobre distúrbios do sono –, o estudo investigou a associação entre sono e perfil inflamatório. Para isso, foram avaliados o tempo de sono através de acelerômetro (dispositivo que mede repouso e aceleração do movimento), assim como a qualidade segundo informações cedidas pelo responsável do menor. Além disso, o estudo avaliou a média da circunferência abdominal e, para detecção de inflamação, utilizou amostras de sangue de 199 crianças com 5 a 7 anos de idade, de escolas públicas e particulares de São Paulo e Fortaleza (Ceará). Os participantes foram selecionados do estudo ‘Novas fronteiras em saúde nutricional e cardiovascular pediátrica: desenvolvimento de métodos para avaliar a dupla carga da má-nutrição e a saúde cardiovascular ideal em países de baixa-média renda’, conhecido como Saycare Cohort ­Study, que avalia a saúde cardiovascular de crianças latino-americanas.

Os pesquisadores avaliaram, por meio de questionário respondido ­por pais ou cuidadores, os horários que a criança se deitava para dormir e o desper­tar, tempo de soneca após o almoço, duração do sono noturno e alterações de rotina nos fins de semana. Todas as crianças utilizaram um acelerômetro preso à cintura por sete dias consecutivos, durante 24 horas. “Neste período, os responsáveis foram orientados a não retirar o aparelho e a preencher um diário com as informações solicitadas, a exemplo de atividades diárias, tempo de tela e períodos ociosos”, descreve a nutricionista e pesquisadora Vanessa Cassia de Oliveira Melo, autora do estudo. O tempo de sono considerado como apropriado foi definido entre 8 e 12 horas diárias.

Para estabelecer o perfil metabólico, as variáveis antropométricas (peso, altu­ra, circunferência de cintura, quadril, pescoço e dobras cutâneas como bíceps, tríceps, subescapular e suprailíaca) foram medidas antes da colocação do acelerômetro. Todas as medidas foram realizadas e avaliadas pelo mesmo pesquisador em cada ­cidade. Também foram utilizadas análises de amostras de sangue referentes à proteína C-Reativa (PCR), marcador usado no estudo para medir a inflamação. Ao reunir todos os dados foi possível realizar análises descritivas e de associação que resultaram em um modelo ­teórico para avaliar os parâmetros.

Associação negativa 

Ao analisar as amostras de sangue, a média de valores referente à PCR ficou em torno de 1,0mg/L acima do valor de ­referência, um indicativo de inflamação de baixo grau. Além disso, houve uma diferença entre as crianças de escolas particulares e públicas, que apresentaram média de PCR de 1,59mg/L e 2,42mg/L, ­respectivamente. De acordo com a pesquisadora, os resultados encontrados estão alterados e indicam a presença de inflamação. Porém, as diferenças entre os valores  são consequência de hábitos de vida inadequados, como atividade física insuficiente, alimentação desequilibrada, tempo e qualidade de sono ruins. “Em relação ao ­período de sono rastreado pelo acelerômetro, a média foi de 5,72 horas por noite, muito inferior ao recomendado pela NSF para a faixa etária investigada no estudo. Quanto à medida da circunferência da cintura, o valor médio registrado foi de 59cm, considerado alto para o público analisado”, acentua.

Assim, a pesquisa indica uma associação negativa entre o tempo de sono aferido pelo acelerômetro e o perfil inflamatório medido pelo PCR, mediados pela circunferência da cintura, ou seja, a cada um centímetro a mais na circunferência de cintura da criança a inflamação eleva em 17% a mais do que uma criança com a circunferência de cintura dentro da referência para a sua idade. “A irregularidade no ciclo natural do sono é identificada pelo organismo como um fator estressor que passa a emitir sinais para a produção de marcadores inflamatórios em resposta à privação de sono, alterando as funções do sistema imunológico e, consequentemente, aumentando os fatores de risco para doenças metabólicas e cardiovasculares”, enfatiza a pesquisadora. Além disso, a partir de relatos dos cuidadores, o estudo corrobora outros achados da literatura médica de que a restrição do sono pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo; causar comportamentos negativos, a exemplo de agressão e dificuldades para controle de emoções; aumentar a sensação de cansaço durante o dia e afetar o desempenho escolar. •

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