A obesidade é uma doença que tem aumentado em todo o mundo. No Brasil, aproximadamente 60% dos adultos apresentam excesso de peso, o que representa cerca de 96 milhões de pessoas. Além disso, um em cada quatro brasileiros tem obesidade, somando mais de 41 milhões de indivíduos, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/2020). Os dados são alarmantes porque o excesso de peso causa impactos em diferentes áreas, como diminuição da qualidade de vida, perda de produtividade, mortalidade precoce e problemas relacionados às interações sociais. Para agravar a situação, muitas pessoas estão optando por dietas restritivas e sem orientação que prometem resultados rápidos, mas que, na verdade, geram ainda mais prejuízos para a saúde.
De acordo com o médico endocrinologista Ricardo Barroso, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional São Paulo (SBEM-SP), a alimentação é a gênese das patologias atuais, resultado de um estilo de vida no qual as pessoas têm menos tempo de preparar a refeição e optam por preparações mais práticas, afastando-se dos padrões que valorizam a comida de verdade. Além disso, há muitos alimentos processados mais baratos e palatáveis que estimulam esse consumo. “A Medicina consegue controlar algumas doenças com vacinas e antibióticos, mas o hábito alimentar está seguindo no sentido contrário da evolução. Como resultado, observamos diferentes doenças que têm relação com a má alimentação, a exemplo de câncer, doença de Alzheimer e enfermidades cardiovasculares”, pontua.
Embora seja necessária uma mudança nos hábitos alimentares, as dietas com restrição – seja de quantidade, qualidade ou exclusão de grupos de alimentos – não são indicadas, principalmente sem orientação médica. Essas dietas restritivas geralmente são hipocalóricas e podem não atingir a necessidade nutricional individual, principalmente em relação aos micronutrientes (vitaminas e minerais), desencadeando deficiências nutricionais que podem trazer perigos à saúde. A professora doutora Eline de Almeida Soriano, médica nutróloga, docente de pós-graduação e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), lembra que as deficiências de vitaminas e minerais podem causar queda de imunidade, anemia, osteoporose, insuficiência cardíaca e até quadros neurológicos graves, assim como arritmias cardíacas.
“As mais importantes são as deficiências dos micronutrientes, como vitamina C, vitaminas do complexo B e as lipossolúveis como A, D, E e K, além de minerais como ferro, zinco, cobre, cálcio e selênio, que são os primeiros atingidos quando se restringe muito a alimentação. Além disso, as dietas restritivas causam deficiências de macronutrientes como carboidratos, proteínas e gorduras”, alerta. A falta de tiamina (vitamina B1), por exemplo, pode desencadear um quadro de insuficiência cardíaca, sobrecarregando o coração e os rins. Com as dietas muito hipocalóricas, o fígado começa a metabolizar ácidos graxos (gordura) como fonte de energia e vai ficando sobrecarregado. As deficiências nutricionais mais graves geram edema, palidez de pele e mucosas, palpitação, ansiedade, irritabilidade, queda de cabelo e unhas fracas. Dependendo do tempo de restrição alimentar podem surgir fraqueza, tontura e alteração do padrão respiratório.
O nutricionista Jônatas de Oliveira, pesquisador e doutorando em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), lembra que as deficiências calórico-proteicas, em muitos momentos, são sinalizadas na forma de fome. Mas, diferentemente de um carro que chega à reserva e para, o corpo vira um poupador de energia e utiliza massa muscular para garantir a sobrevivência, em um processo análogo à desnutrição. “Em longo prazo, o corpo acumula muita gordura e, com isso, desenvolve um mecanismo que dificulta a perda de peso a cada dieta. Além disso, o acúmulo de gordura sobrecarrega o organismo e interfere no sistema cardiovascular, nas doenças e na autoestima”, alerta.
Transtornos alimentares
Alguns especialistas acreditam que as dietas restritivas também podem ter ligação com transtornos alimentares. A nutróloga Eline de Almeida Soriano explica que, após uma dieta restritiva, o indivíduo volta a comer com mais fome, mais voracidade e, muitas vezes, perde o controle diante da comida, passando a ingerir grandes quantidades em curto espaço de tempo. “Em geral, o comer em exagero vem acompanhado do sentimento de culpa e, às vezes, seguido de métodos compensatórios como vômitos e práticas extenuantes de exercício físico, caracterizando a bulimia nervosa”, detalha.
O endocrinologista Ricardo Barroso acentua que indivíduos com transtorno alimentar já buscam uma alimentação restrita, e quem tem pré-disposição acaba vendo essa condição ser agravada pela dieta. “Nestes casos, é fundamental o acompanhamento de nutricionista, endocrinologista e até psicólogo para ajudar com a frustação e incentivar o indivíduo a ter uma alimentação mais saudável”, reforça. Encarar a obesidade como doença crônica também pode evitar dietas restritivas que prometem perda de peso em pouco tempo. Além disso, é preciso levar em consideração que, com o envelhecimento, há uma mudança lenta e gradativa da composição corporal, principalmente na mulher – embora os homens também sintam as alterações perto da andropausa, com perda da musculatura e ganho da gordura abdominal gerada pelas alterações metabólicas.
Para o nutricionista Jônatas de Oliveira, quem inicia uma dieta por causa do sofrimento tem consequências negativas, como aumento do desejo por comida, ansiedade em comer, recusa de participar de eventos que envolvam comida e hábito de comer escondido. “Não faz parte do padrão normal sentir vergonha ou culpa quando se come, e isso acaba tornando negativa uma necessidade vital. O comportamento sociocultural faz julgar a comida por engordar, retirando itens importantes da alimentação”, lamenta.