Caracterizada por uma alteração temporária e reversível do funcionamento cerebral, a epilepsia é um distúrbio neurológico crônico marcado por crises repetidas, durante poucos segundos ou minutos, em intervalos variáveis. A doença pode afetar várias áreas do cérebro, e o local de cada descarga elétrica vai gerar sintomas e manifestações clínicas distintas. Considerada um problema de saúde pública altamente prevalente, com maior incidência entre crianças e idosos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a epilepsia acometa em torno de 2% da população brasileira e cerca de 50 milhões no mundo. Estigmatizada e debilitante, sem o tratamento adequado está associada a uma maior mortalidade e ao risco aumentado de comorbidades físicas, cognitivas, psíquicas, comportamentais e sociais que impactam negativamente a qualidade de vida.
O surgimento das crises epilépticas envolve um aumento da excitabilidade do circuito cerebral, fazendo com que um grupo de neurônios gere descargas elétricas anormais e resultando em crises convulsivas repetidas. De acordo com a médica neurologista Carolina Machado Torres, do Centro de Tratamento de Epilepsia Refratária do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –, a epilepsia pode ter início em qualquer idade e as causas podem estar relacionadas à predisposição genética e a outras condições de saúde. “Nascimento prematuro, anoxia neonatal, erros inatos do metabolismo, malformação congênita, traumas no parto, sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), tumores cerebrais principalmente em pacientes adultos ou idosos, traumatismos cranianos e doenças genéticas neurológicas são condições associadas a essa atividade anormal do cérebro”, comenta.
As crises epilépticas são classificadas de acordo com os sintomas e a área do cérebro afetada, podendo ser focais e generalizadas. Na epilepsia focal, a descarga elétrica está limitada a uma área específica e atinge apenas um hemisfério, podendo haver comprometimento da consciência. “Já a generalizada atinge o circuito cerebral difusamente desde o início da crise, envolvendo simultaneamente os dois hemisférios e provocando alteração da consciência e manifestações motoras bilaterais”, descreve a neurologista pediátrica Daniela Fontes Bezerra, médica afiliada do Departamento de Neurociências e coordenadora do Ambulatório de Epilepsia Infantil da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), em São Paulo.
As crises se manifestam como tônico-clônicas ou convulsivas, com sinais como perda de consciência, enrijecimento do corpo, tremores, salivação e perda de urina. Além disso, levam a momentos de ausência, em que a pessoa parece ter sido ‘desligada’. Nas manifestações mioclônicas, o indivíduo apresenta abalos breves semelhantes a choques de um ou mais membros ou do tronco. Outros sintomas podem incluir alteração na visão e na sensibilidade, espasmos e movimentos repetitivos. Entretanto, é importante ressaltar que nem toda crise convulsiva está relacionada ao diagnóstico de epilepsia. A médica neurologista Carolina Machado Torres explica que qualquer indivíduo pode ter uma crise convulsiva, que se caracteriza pelo surgimento de tremores e salivação excessiva, entre outros sintomas – mesmo sem ter a doença.
“Uma crise convulsiva pode ocorrer pontualmente em decorrência de febre alta em crianças, falta de oxigenação, intoxicação pelo uso de uma medicação ou de uma droga ilícita, por um quadro de hipoglicemia ou de sódio muito baixo, entre outros. Essas e outras situações levam a uma crise provocada”, detalha. De acordo com a diretriz da Liga Brasileira de Epilepsia (LBE), o que difere e considera o indivíduo com indicativo de epilepsia é a recorrência de crises epilépticas (convulsivas ou não) de repetição, não provocadas e com intervalo maior de 24 horas.
Estigma e saúde emocional – Com registros no período anterior ao nascimento de Cristo, a epilepsia já foi associada à incapacidade produtiva, à loucura, a superstições e até a possessões demoníacas. Infelizmente, ainda hoje a doença é carregada de estigmas. “Mais do que os sintomas específicos, essa condição causa um impacto psicossocial importante na vida dos pacientes, pois afeta o comportamento, a saúde psíquica e emocional e a qualidade de vida, impondo restrições injustificadas que entravam, inclusive, o acesso a informações e o tratamento da doença”, lamenta a neurologista Daniela Fontes Bezerra. Uma vez que o medo do desconhecido é a principal fonte de preconceitos, a médica afirma que promover uma reflexão mais profunda sobre a epilepsia por meio de ações coordenadas de circulação e divulgação maciça de informações – desde a formação acadêmica dos profissionais da saúde até a população em geral –, é fundamental para conscientizar, entender e desmistificar a doença, melhorando tanto a qualidade de vida das pessoas com epilepsia quanto a de seus familiares.