Durante o estudo realizado na UERN, os pesquisadores aplicaram vários scores quanto à constipação intestinal, ao esforço evacuatório e à qualidade de vida dos pacientes participantes, antes e depois de usarem o mix composto de 30g de fibras, por 45 dias, e compararam com os indivíduos controles. No grupo 1, um total de 50 pacientes constipados – 30 com doença de Chagas e 20 controles – foi submetido ao tratamento com fibras. No grupo 2, 16 pacientes foram submetidos a uma intervenção nutricional sem fibras – metade com a doença de Chagas e metade como controle. Para buscar resultados consistentes no experimento foram avaliados os perfis antropométrico, bioquímico e dietético dos participantes, assim como a gravidade da constipação (Escala de Bristol) na primeira consulta nutricional pré-tratamento. Após a intervenção, todas as variáveis foram reavaliadas.
Depois do tratamento com o mix de fibras, os pesquisadores confirmaram melhora significativa de todos os parâmetros antropométricos avaliados, como peso, Índice de Massa Corporal (IMC) e circunferência da cintura. Além disso, houve redução significativa de glicemia, triglicerídeos, colesterol total e frações e transaminases hepáticas para ambos os grupos que consumiram fibras. O tratamento também melhorou significativamente o Índice de Qualidade da Dieta Revisado (IQD-R) e a Escala de Bristol para os dois grupos, realocando a maioria dos pacientes para o status de evacuações normais. “Queremos entender se os pacientes melhoraram simplesmente porque a fibra aumenta o peso fecal e facilita a defecação, ou porque as fibras mudaram o perfil da microbiota intestinal e, com isso, tiveram menos inflamação. Será que, por terem menos inflamação, melhoraram os parâmetros clínicos de constipação?”, questiona o professor Cléber Mesquita. Para responder a essas e outras perguntas, o grupo da UERN deu início a uma nova pesquisa que vai avaliar a microbiota intestinal desses pacientes.
Novas evidências
Segundo o professor Cléber Mesquita, a meta da nova pesquisa é tentar entender se há alguma interferência do ambiente intestinal na resposta imune às diferentes formas da enfermidade. Mesmo sabendo que a doença de Chagas também está associada às linhagens do T. cruzi – que pode ter cepas mais ou menos agressivas e com mais tropismo pelo coração ou pelo intestino –, o médico acredita que a resposta imune esteja envolvida com o agravamento da doença. Dentre as muitas dúvidas a serem respondidas está o fato de alguns pacientes que vivem na mesma casa/comunidade terem uma forma cardíaca grave e uma forma cardíaca leve ou indeterminada da doença. Outra questão a ser esclarecida é por que um grupo desenvolve megacólon e outro, pela mesma cepa, tem o colón normal.
“Atendo pacientes irmãos que cresceram juntos e, provavelmente, são portadores da mesma cepa de T. cruzi, mas um é grave e o outro não tem qualquer manifestação de doença. Será que a resposta do hospedeiro é distinta e, se sim, por que os indivíduos apresentam uma resposta distinta? A microbiota talvez seja uma das peças para responder algumas dessas dúvidas”, analisa. O Rio Grande do Norte tem dois serviços públicos ambulatoriais de atendimento a pacientes com doença de Chagas. No ambulatório da UERN, em Mossoró, são acompanhados sistematicamente cerca de 500 pacientes. No entanto, as estimativas indicam pelo menos 12 mil habitantes no Estado contaminados pelo T. cruzi.
Pela experiência com doença de Chagas, a professora Ester Sabino acredita ser realmente possível que ocorra uma interferência da microbiota intestinal no agravamento das diferentes formas da enfermidade. A cardiomiopatia chagásica, por exemplo, é consequência a uma resposta imune inadequada contra o parasito. “A hipótese é que a resposta imune seria modulada pela composição das bactérias presentes no intestino. Assim, dependendo do microbioma intestinal os pacientes poderiam ou não desenvolver cardiomiopatia chagásica”, sugere. A docente acentua que seu grupo está muito interessado em estudar a microbiota e um dos estudos já realizados, publicado em 2020 na revista Frontiers, avaliou a microbiota de pacientes chagásicos e encontrou alguns resultados que sugerem que a infecção pelo T. cruzi resulta em uma mudança no microbioma intestinal em direção a uma comunidade disbiótica, com níveis mais baixos de microrganismos associados à saúde.