Caracterizado por uma classificação simplista dos alimentos, o termo terrorismo nutricional tem sido usado para descrever práticas ou discursos que, sob o pretexto de promover saúde e bemestar, geram medo e ansiedade excessivos em relação aos alimentos. Esse fenômeno ocorre quando certos alimentos ou nutrientes são considerados vilões de forma exagerada, levando as pessoas a evitarem ingeri-los por receio de efeitos negativos que nem sempre são embasados cientificamente. Essas informações distorcidas ou apresentadas de forma sensacionalista podem levar a desequilíbrios nutricionais, deficiências de vitaminas e minerais, além de outros efeitos adversos em longo prazo. No entanto, o que mais chama a atenção é o efeito psicológico que essa pressão pode causar, levando ao desencadeamento de ansiedade, sentimento de culpa ou até mesmo transtornos alimentares.
O termo terrorismo nutricional começou a ser utilizado a partir dos anos 2000 em substituição a ‘nutricionismo’, denominação que surgiu na década de 1990. Naquela época, a indústria alimentícia se tornou grande propagadora de mensagens nutricionais utilizando os achados da ciência para reforçar o medo de que os corpos estivessem em perigo. Assim, a indústria oferecia uma gama de produtos que solucionavam os tais ‘problemas’ com a promessa de fazer um milagre, e apresentava outros alimentos como grandes vilões, sugerindo a exclusão do consumo em definitivo.
De acordo com a nutricionista clínica Daniela Cierro, integrante da equipe de consultores técnicos da Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN), o pesquisador australiano Gyorgy Scrinis, autor do livro Nutricionismo: a ciência e a política da orientação nutricional, faz uma citação importante sobre o tema. O autor afirma que, na tentativa de explicar todos os problemas alimentares em termos de nutrientes, o conceito só fez agravar o problema e retirou das pessoas o poder de decidir de maneira simples sobre algo que sempre fizeram, ou seja, comer. “Desde então, houve uma decodificação direcionada da informação nutricional acompanhada de discursos e conselhos definitivos que prometem reduzir sinais, sintomas e até doenças crônicas, excluindo totalmente alguns alimentos ou nutrientes”, informa.
De maneira geral, os alimentos começaram a ser categorizados como bons ou ruins, saudáveis ou não saudáveis, permitidos ou proibidos. Essa tendência envolveu desde um alimento específico, como o ovo ou o leite; um grupo alimentar inteiro, por exemplo, carboidratos e gorduras; ou uma abordagem alimentar, como o jejum intermitente. Assim, o terrorismo nutricional passou a reduzir o alimento apenas pela função isolada ou pela quantidade de calorias, ignorando os fatores fisiológicos, nutricionais, culturais, econômicos e até mesmo afetivos, e transformando o ato de comer em uma fonte de angústia e medo.
Atualmente, o terrorismo nutricional tem ganhado força e ficado cada vez mais comum por causa do maior acesso às redes sociais. Nessas plataformas, influenciadores e autointitulados ‘gurus da nutrição’ compartilham dicas sem comprovação científica, fomentando crenças errôneas sobre alimentos considerados bons ou ruins. “Por meio desse terrorismo e da falta de uma orientação nutricional correta há uma manutenção desse mercado, porque as pessoas ficam insatisfeitas e começam a comprar novas promessas, seja um novo produto, um novo livro, uma nova fórmula mágica ou até um novo programa de emagrecimento, fortalecendo a diet culture”, acrescenta a médica endocrinologista e doutora em Ciências Médicas Cristina Schreiber, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
A nutricionista Daniela Cierro acentua que é possível identificar o terrorismo nutricional quando o discurso é intimidador, radical e generalista, com o intuito de defesa de uma causa muitas vezes duvidosa. Por exemplo, quando dizem que comer muita proteína é importante para hipertrofiar, enquanto os carboidratos viram tecido adiposo. “Esse discurso atinge muitos adolescentes e adultos jovens que deixam de comer carne, frango e peixe e acreditam que precisam consumir suplementos em pó. Também acham fundamental excluir alimentos denominados como vilões, de forma generalizada e altamente danosa à saúde”, alerta.