Os peptídeos neuroativos de ocorrência natural (isolados de venenos) para pesquisas biomédicas são uma excelente plataforma para o desenvolvimento de novas ferramentas de pesquisa, reagentes diagnósticos e medicamentos. Ao envolver interações com alvos no sistema nervoso central podem atuar em canais iônicos, liberação e recaptação de neurotransmissores ou até mesmo como agonista ou antagonista de receptores. Recentemente, cientistas descobriram que a peçonha da vespa social típica do cerrado, conhecida como marimbondo-estrela, possui a substância occidentalina-1202, com potencial para tratar epilepsia e proteger o cérebro.
O experimento com animais foi conduzido pela pesquisadora Márcia Renata Mortari nos laboratórios de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) durante seu doutorado em Psicobiologia. Os trabalhos foram desenvolvidos em cinco fases, a começar pela captura das vespas, extração, isolamento e purificação do peptídeo promissor, seguida da síntese de um peptídeo análogo ao idêntico. “Trata-se de uma cópia sintetizada quimicamente que foi mantida em solução específica (pH entre 6,8 e 7,0) a 5ºC de temperatura por 72 horas para garantir estabilidade e pureza”, explica a pesquisadora, que é docente no Departamento de Ciências Fisiológicas do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB).
Na fase 2 foram analisados os efeitos de dois peptídeos (natural e sintético) em dois modelos agudos de epilepsia induzidos por ácido caínico (KA) e pentilenotetrazol (PTZ) – que provocam convulsões – para medição da dose efetiva com valores estimados de índice terapêutico, estudos de convulsões eletroencefalográficas e avaliação do gene C-fos (relacionado à atividade neurológica). Na sequência, foi realizada uma compilação de testes avançados apenas com occidentalina-1202(s) para avaliar seu desempenho na prevenção e no controle de convulsões graves e prolongadas, além de obter informações detalhadas sobre os efeitos no tecido cerebral. “Determinada a atividade antiepiléptica da occidentalina-1202(s), a fase 4 consistiu na avaliação de potenciais efeitos adversos nos testes de coordenação motora e comprometimento cognitivo. Na fase 5 foi proposto um mecanismo de ação utilizando modelos computacionais com receptores cainatos”, descreve.
Para viabilizar o uso futuro em humanos e garantir a segurança da substância, os pesquisadores têm estudado o funcionamento e controle de neurotransmissores como o glutamato, aminoácido mais abundante no sistema nervoso central que atua como neurotransmissor excitatório e, em níveis elevados, pode causar crises epilépticas. “Estamos realizando testes para determinar a segurança desse composto utilizando uma série de ensaios de toxicidade e determinação de efeitos adversos. A descoberta da occidentalina-1202 marca o início de uma nova classe promissora de peptídeos extraídos da peçonha de vespas para o desenvolvimento de medicamentos que interagem com o sistema nervoso central”, acredita a cientista. Orientada pelo professor doutor Wagner dos Santos, o estudo teve colaboração de pesquisadores da FFCLRP, Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USPRP, Universidade de Brasília e Universidade de Lorraine, na França. O artigo ‘A new class of peptides from wasp venom: a pathway to antiepileptic/neuroprotective drugs’ foi publicado em 2023 no periódico Brains Communication. •