A literatura científica comprova que há uma íntima relação entre os componentes da dieta e a microbiota intestinal, e os alimentos se constituem em fator determinante das características da colonização desse microbioma. Além da alimentação saudável, estudos têm evidenciado que probióticos, prebióticos e simbióticos também auxiliam na modulação e manutenção da microbiota intestinal. Por outro lado, a dieta ocidentalizada é um dos principais fatores associados ao desequilíbrio desse ambiente. As pesquisas mais recentes destacam, ainda, a importância das fibras dietéticas e sua função benéfica, que vêm sendo associadas à prevenção de doenças inflamatórias intestinais, cardiovasculares, oncológicas e dislipidemias, principalmente devido à relação do consumo de fibras solúveis e à produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) – acetato, propionato e butirato – durante a fermentação feita por bactérias no intestino grosso.
A nutricionista Ana Carolina Franco de Moraes, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), conta que os resultados dos estudos mais recentes têm reforçado que os nutrientes dos alimentos impactam de maneira diferente na microbiota, porque servem de substrato para os microrganismos intestinais. “O que temos conseguido identificar é que, ao mudar a alimentação, ocorre também uma mudança no ambiente intestinal. Portanto, cada indivíduo alimenta as suas bactérias. Temos essa responsabilidade”, enfatiza. Enquanto uma dieta saudável – a exemplo da Mediterrânea, que restringe o consumo de proteína de origem animal e estimula o consumo de azeite de oliva, frutas, vegetais, legumes, cereais integrais, sementes, frutos secos e peixes – é considerada ideal para deixar a microbiota saudável, a dieta baseada em fast-food, com muito doce, gordura saturada (inclusive a gordura vegetal de óleo de coco e óleo de palma, que faz parte da maioria dos produtos fit), sódio e embutidos irá fornecer substratos para bactérias, em especial as Gram-negativas, como E. coli, Salmonella e Shigella, que estão envolvidas em muitas doenças, incluindo as transmitidas por alimentos.
Bactérias Gram-negativas carregam na superfície celular uma endotoxina chamada lipopolissacarídeo (LPS), que se liga a receptores do tipo toll (TLR), especialmente o TLR4, e inicia o processo de cascata inflamatória. A ativação do fator nuclear Kappa β (NF-kβ), a partir da estimulação do TLR4, culmina com a produção de diversos mediadores inflamatórios, incluindo o fator de necrose tumoral (TNF-α) e a interleucina 6 (IL-6). Se o indivíduo consome mais substrato para essas bactérias, terá mais LPS circulando na luz intestinal. “Esse tipo de gordura também afeta a permeabilidade intestinal ao diminuir a integridade das tight junctions, que são as junções celulares que funcionam como conectores dos enterócitos. Dessa forma, haveria um favorecimento à translocação de bactérias e metabólitos bacterianos para a circulação sanguínea”, alerta a pesquisadora. Quando há muito LPS na circulação ocorre a endotoxemia metabólica que, entre outros, aumenta a inflamação subclínica de baixo grau e o processo inflamatório crônico. “Essa inflamação faz parte da gênese de praticamente todas as enfermidades, inclusive as cardiometabólicas como obesidade, diabetes, dislipidemia e hipertensão, e as doenças inflamatórias intestinais. Até mesmo as doenças neuropsiquiátricas podem estar associadas com essa inflamação subclínica crônica”, detalha.
Uma vez que a dieta é o estímulo que mais altera a microbiota para o bem e para o mal – exceção para o uso de antibióticos, que modificam de forma negativa o ambiente intestinal –, a pesquisadora Ana Carolina Franco de Moraes sugere aumentar o consumo de uva, cacau (chocolate >70%), cranberry, cebola, trigo, banana e alho, entre outros alimentos ricos em polifenóis. “Os polifenóis têm conquistado um grande espaço para a modulação intestinal nos últimos anos, exatamente devido à função prebiótica, que até então não conhecíamos. Sempre consideramos algumas fibras como prebióticos, no entanto, em 2017 foram incluídos outros compostos com a mesma função, inclusive vitamina D e ômega 3”, informa. A própria definição de prebiótico mudou e passou de polissacarídeos não digeríveis para substratos utilizados para o crescimento de bactérias que geram benefício ao hospedeiro.
Um desses substratos é a betalaína, um tipo de composto fenólico que pode se enquadrar na categoria de prebiótico. Um dos trabalhos coordenados pela professora Susana Saad, titular do Departamento de Tecnologia Bioquímica-Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e do Food Research Center (FoRC-USP), envolve a polpa de pitaya, fruta rica em betalaína. Os pesquisadores tentam verificar se a adição de algumas cepas probióticas na polpa da pitaya ajuda, por exemplo, a estimular o receptor de vitamina D. “A população em geral é muito deficiente nesta vitamina, pela falta de sol ou pelo uso de protetor solar. E nem todos respondem à suplementação padrão, pois o receptor VDR, que está em vários órgãos, precisa estar ativo. E algumas cepas probióticas podem estimular esse receptor a responder à suplementação”, ressalta. O estudo ainda está em andamento, mas a professora considera que pode ser promissor.
Outra pesquisa avalia o bioenriquecimento de alimentos usando bactérias probióticas ou bactérias lácticas, como o Streptococcus thermophilus, que produz vitamina B (folato). As grávidas precisam de uma boa dose de folato ou ácido fólico para não comprometer o desenvolvimento do tubo neural do bebê, por isso, no Brasil as farinhas são enriquecidas. Porém, para algumas pessoas o consumo excessivo de ácido fólico pode ser prejudicial, e poucos países fazem esse tipo de suplementação na farinha. “Nossa tentativa é enriquecer os alimentos através de um folato sintetizado por microrganismo, que é um outro grupo de folato e não é tão tóxico”, acrescenta a docente.