Secretada pelo pâncreas, a insulina é um hormônio anabolizante que desempenha papel importante na regulação dos níveis de açúcar no sangue, permitindo que as células absorvam a glicose e obtenham a energia que necessitam para seu pleno funcionamento. Além disso, tem o papel fundamental de metabolizar carboidratos, proteínas e gorduras, ajudando o organismo a armazenar glicose no fígado e nos músculos, e manter os tecidos gordurosos. A resistência à insulina (RI) se manifesta quando o organismo não responde adequadamente a esse hormônio ocasionando – apesar do aumento compensatório de insulina – dificuldades para absorção celular da glicose do sangue. Sem causas bem definidas, identificar esta condição pode ser um desafio para os médicos, pois o problema é frequentemente assintomático e, quando há sinais, geralmente já caracterizam um quadro de pré-diabetes ou de diabetes tipo 2 – doença que acomete cerca de 14 milhões de brasileiros de acordo com dados do Ministério da Saúde.
A RI também se associa a um maior risco de hipertensão, alteração da distribuição do colesterol (com diminuição do HDL e aumento de triglicérides) e favorece a formação de coágulos dentro das artérias (trombose arterial). Curável, a terapêutica orientada pelo clínico geral ou endocrinologista inclui acompanhamento dos níveis de glicose no sangue e, principalmente, mudanças no estilo de vida com a prática de atividades físicas regularmente, perda de peso e manutenção de uma alimentação saudável. É consenso que a genética tem uma contribuição importante para o desenvolvimento da resistência à insulina e hiperinsulinemia (resistência aumentada à insulina).
No entanto, a condição também está intimamente associada ao sobrepeso e à obesidade. “O aumento da massa do tecido adiposo e do volume abdominal se associa com elevação de colesterol e triglicerídeos. Aliado ao sedentarismo e ao consumo elevado de carboidratos, provoca elevação da glicose no sangue e, consequentemente, uma produção maior de insulina pelas células pancreáticas. Por conseguinte, determina um estado de alto risco cardiovascular”, acentua o endocrinologista Rogério Friedman, professor da Faculdade de Medicina e chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA-UFRGS). Além disso, o aumento de tecido adiposo promove o acúmulo de radicais livres que são capazes de causar danos celulares, ativando quadros inflamatórios crônicos que aumentam o risco de doenças cardiovasculares, diabetes (principalmente o tipo 2) e alguns tipos de câncer, entre outros. O ideal para prevenir a RI é manter o peso dentro do Índice de Massa Corporal (IMC) adequado – entre 18,5kg/m² e 25kg/m² – evitando o sobrepeso e a obesidade.
A médica endocrinologista Patrícia Monteagudo, docente do Departamento de Clínica Médica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), acrescenta que no sexo feminino o problema também está relacionado à síndrome dos ovários policísticos (SOP) e está presente em cerca de 90% das mulheres com essa condição, o que as torna mais suscetíveis a diversos distúrbios metabólicos. Apesar de fatores genéticos influenciarem o desenvolvimento da SOP, diversos estudos apontam a resistência à insulina e hiperinsulinemia como fatores-chave na alteração hormonal e no desequilíbrio da normalidade da ovulação. “Isso acontece porque o excesso de insulina tem uma ação direta nos ovários, estimulando a produção de testosterona (hiperandrogenismo) e, na hipófise, predispondo à ausência da ovulação e menor fertilidade. Além disso, age nos tecidos periféricos adiposo e muscular, promovendo uma inflamação crônica de baixo grau e, consequentemente, aumentando o risco de doenças metabólicas”, reforça.
Silenciosa, a resistência à insulina não costuma apresentar sintomas aparentes. “Em casos mais raros em que há alto desequilíbrio pode aparecer a chamada acantose nigricante, manchas marrons com textura grossa e aveludada que surgem na pele quase sempre na região do pescoço, podendo atingir também as axilas e os braços”, destaca o endocrinologista Rogério Friedman. Outros sinais podem ser observados, como fraqueza e fadiga; ganho de peso rápido, em especial na região abdominal; inchaço e fluxo menstrual desregulado, entre outros, a depender da enfermidade concomitante. Mas, nesses casos, é provável que um quadro de SOP, esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado que pode causar dor, fraqueza e perda de apetite), pré-diabetes, diabetes gestacional ou diabetes tipo 2 já esteja instalado.
Diagnóstico
A avaliação clínica é a principal forma de diagnosticar a resistência à insulina. A endocrinologista Patrícia Monteagudo enfatiza que o exame físico com avaliação da centralização de gordura (aumento desproporcional da gordura abdominal), e a presença de acantose nigricante, é um quadro muito sugestivo de resistência à insulina. “A confirmação laboratorial da RI é trabalhosa e cara. Muitas vezes, apesar de a glicose estar em um nível satisfatório, a taxa de insulina é alta. E isso acontece pois, para manter os níveis de açúcar normais, o organismo precisa secretar quantidades aumentadas do hormônio, e essas alterações são previsíveis quando há centralização da gordura abdominal”, afirma.
A médica acentua que o cálculo do índice Homeostasis Model Assessment of Insulin Resistance (HOMA) a partir das dosagens de glicemia e insulina no jejum não é indicado para avaliação individual, pois pode inferir menor capacidade da produção da insulina, e não a resistência – o HOMA é indicado para avaliação populacional. O médico pode solicitar, ainda, dosagens de glicemia e hemoglobina glicada e, eventualmente, o teste oral de tolerância à glicose para diagnóstico de diabetes. O perfil de colesterol (HDL baixo e triglicérides elevados) e ácido úrico elevado são alterações metabólicas que apontam para a resistência à insulina.