A grande atenção que tem sido dada ao estudo da microbiota intestinal em indivíduos com fibrose cística também se justifica porque a doença cursa com infecções de repetição e inflamação que, associadas ao uso contínuo de antibióticos, podem provocar alterações negativas na microbiota intestinal. Atualmente, já há estudos mostrando alteração na microbiota intestinal de crianças e adultos com fibrose cística, que parecem apresentar número mais elevado de bactérias potencialmente patogênicas no intestino em detrimento de bactérias benéficas. Em busca de comprovações sobre esses achados, um grupo de pesquisadores do Departamento de Nutrição do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (ICB-UFJF) desenvolveu uma revisão sistemática para verificar se haveria um padrão específico na composição da microbiota intestinal de fibrocísticos.
As bases de dados das plataformas científicas PubMed/MEDLINE e Scopus foram pesquisadas em busca de artigos relevantes publicados até julho de 2022. Assim, os cientistas selecionaram 18 estudos, que envolveram um total de 1.304 participantes (sendo 759 controles). Esses estudos foram conduzidos em sete diferentes países, incluindo o Brasil – com destaque para os Estados Unidos (33,3%). Os resultados mostraram mudanças significativas na composição da microbiota intestinal dos indivíduos com fibrose cística em comparação com controles saudáveis, com aumento de Enterococcus, Veillonella e Streptococcus, e diminuição dos gêneros Bifidobacterium, Roseburia e Alistipes.
“A comunidade bacteriana intestinal dos pacientes foi marcada por uma redução na riqueza e diversidade, porém, a redução na riqueza da microbiota desses indivíduos foi o achado mais marcante na maioria dos estudos”, explica a nutricionista Sheila Cristina Potente Dutra Luquetti, professora associada do Departamento de Nutrição do ICB-UFJF e orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Saúde (PPGS) da Instituição. Além disso, foi observada maior abundância de bactérias da espécie Escherichia coli e menor abundância da espécie Faecalibacterium prausnitzii, que é uma bactéria relacionada diretamente com a produção do butirato, um ácido graxo de cadeia curta (AGCC) que apresenta propriedades anti-inflamatórias e tem vários efeitos benéficos já estudados, especialmente sobre a saúde intestinal.
Para a docente, considerando que estudos recentes têm demonstrado que parece haver uma ligação bidirecional entre o intestino e o pulmão, é possível que quando ocorre inflamação nos pulmões a microbiota intestinal possa ser afetada, assim como os metabólitos microbianos intestinais também poderiam afetar os pulmões através do sangue. “Dessa forma, compreender essa relação da microbiota intestinal com as repercussões clínicas da fibrose cística é importante para que intervenções adequadas possam ser desenvolvidas, a fim de contribuir para melhor controle da doença e melhora da qualidade de vida”, reforça. O grupo do Departamento de Nutrição do ICB-UFJF tem um projeto de extensão com interface em pesquisa no qual esses pacientes com fibrose cística passam por atendimento e acompanhamento nutricional. Futuramente, o grupo deverá caracterizar a microbiota intestinal dos pacientes para avaliar a associação com parâmetros nutricionais e clínicos.