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Terapia cetogênica no controle da epilepsia

Escrito por: Fernanda Ortiz

R­­­­ica em gorduras, adequada em proteínas e pobre em carboidratos, a terapia cetogênica é um tratamento médico dietético bem estabelecido e indicado para o controle das crises epilépticas refratárias de pacientes de todas as faixas etárias que não responderam à tentativa com várias medicações (sozinhas ou combinadas). Desenvolvida para simular os efeitos bioquímicos do jejum no organismo, a dieta é individualizada, restritiva e com porções controladas que demandam planejamento, orientação, ajuste e acompanhamento médico e nutricional especializado. Quando bem aplicada oferece efeito neuroprotetor, pois reduz a incidência e intensidade das crises, evita a ­deterioração neurológica progressiva e melhora significativamente a qualidade de vida dos pacientes.

Os mecanismos de ação da terapia cetogênica, utilizada há quase 100 anos no tratamento da epilepsia, ainda não são completamente esclarecidos. Entretanto, os estudos – a maioria experimentais – indicam que a dieta induz o organismo a utilizar a gordura como fonte de energia, mantendo um estado de cetose. “Os lipídeos são usados como fonte energética sendo metabolizados no fígado em ácidos graxos e oxidados na mitocôndria do hepatócito, resultando em acetil-CoA, uma molécula bioquímica na respiração celular. Com isso, a dieta favorece a cetogênese, ou seja, a geração de corpos cetônicos que atravessam a barreira hemato­encefálica como substrato energético para o cérebro, apresentando efeito anti­convulsionante”, explica a nutricionis­ta doutora em Nutrição Pediátrica Camila Pugliese, do Ambulatório de Especialida­des do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IC-HC-FMUSP).

A terapia cetogênica é indicada exclusivamente para pacientes com epilepsia de difícil controle, que frequentemente apresentem crises diárias ou semanais. “Crianças ou adultos que tenham falhado no tratamento da doença com dois ou três fármacos antiepilépticos, corretamente utilizados em doses adequadas em monoterapia ou politerapia, são aptos a essa dieta que se apresenta como uma opção efetiva para redução das crises”, comenta a doutora em Nutrição Narjara Pereira Leite, professora associada dos cursos de graduação em Nutrição e Ciências Farmacêuticas e nutricionista clínica dos ambulatórios do Centro Universitário da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Em contrapartida, a terapia não é indicada para pacientes com deficiência primária da carnitina, carnitina-palmitoil transferase e carniti­na translocase, além de defeitos da betaoxidação, insuficiência de piruvato carboxilase e porfiria. Já as contraindicações relativas incluem a inabilidade de manter nutrição adequada, possibilidade de cirurgia ressectiva e não aceitação da dieta pelos cuidadores.

Crianças – Sobretudo na infância, os efeitos anti­epilépticos da terapia cetogênica são promissores, dada a janela de oportuni­da­des de desenvolvimento cerebral, cog­nitivo e neuropsicomotor. A terapia cetogênica clássica possui teor de gordu­ra correspondente a cerca de 90% do valor calórico total da dieta, constituída por triglicerídeos de cadeia longa (TCL) e/ou de cadeia média (TCM), baixo teor de carboidrato e teor adequado de proteínas – sendo o mínimo de 1g/kg/dia para garantir o crescimento e o desenvolvimento. ­Segundo a nutricionista Camila Pugliese, a dieta é individualizada com horários bem estabele­ci­dos e minimamente calcu­la­­da de acordo com as necessidades energéticas de cada paciente.  “Geralmente, a dieta inicia com as ­proporções mais reduzidas para a adap­tação e é modificada de acordo com a resposta clí­nica e a cetose”, descreve.

Além disso, existem outras versões como a dieta de Atkins modificada e a dieta de baixo índice glicêmico, desenvolvidas com objetivo de diversificar os alimentos, favorecer a aderência ao tratamento e reduzir os efeitos ­adversos. “Apesar de menos restritas, essas variações se diferem pela quantidade de lipídeos e são semelhantes quanto à composição de macronutrientes, ricas em gordura e com baixo teor de carboidratos, que se encontram limitados a 20g-50g ao dia”, detalha a neurologista Laura Guilhoto, médica assistente e orientadora do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O tipo de dieta deverá ser avaliado e definido conjuntamente pelo neurologista e nutricionista, de acordo com as características e necessidades individuais de cada paciente.

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