Diante dos inúmeros estudos que demonstram o papel do microbioma intestinal na prevenção ou no desenvolvimento de uma série de enfermidades, cientistas passaram a investigar se os microrganismos que habitam o intestino humano e seus metabólitos teriam alguma influência na patogênese da doença de Chagas. Alguns estudos desenvolvidos em modelos experimentais e em humanos já sinalizaram uma relação do microbioma com a gravidade dos sintomas, especialmente na forma cardíaca – que atinge cerca de 30% dos indivíduos infectados com o parasito Trypanosoma cruzi (T. cruzi).
Na forma digestiva, que atinge até 15% dos infectados, a doença pode causar um dano progressivo no esôfago e no cólon, levando ao megaesôfago chagásico e ao megacólon chagásico – duas formas que podem agravar e alterar o estado nutricional dos pacientes. Como alguns estudos têm mostrado que a resposta imunológica a um parasita pode depender da microbiota intestinal, uma das hipóteses é que a infecção pelo T. cruzi possa alterar a colonização de algumas bactérias, levando à reatividade do sistema imune e, consequentemente, aos quadros mais graves.
O megacólon chagásico é considerado a segunda causa mais frequente de manifestação das formas digestivas da doença de Chagas. Caracterizado por sintomas como constipação crônica e severa, distensão abdominal, oclusões associadas ao fecaloma e ao volvo do sigmoide, necrose da alça intestinal, colite isquêmica ou úlcera (que pode ou não perfurar), o problema é causado por uma alteração no funcionamento da musculatura da parede do cólon. Já o megaesôfago chagásico é uma alteração do trato gastrointestinal caracterizada pela destruição em extensão variável de plexos nervosos intramurais do órgão. A destruição intrínseca das células nervosas (desnervação) que ocorre na enfermidade ocasiona perda do peristaltismo no corpo do esôfago (aperistalse) e falta de relaxamento do esfíncter esofagiano inferior às deglutições (acalasia).
Em ambos os casos, o parasito se aloja nos tecidos e na musculatura desses órgãos, prejudicando os movimentos peristálticos que levam o alimento que está em digestão (esôfago) e o bolo fecal que seria expelido (cólon). Com esses movimentos prejudicados, toda a fisiologia será impactada e os órgãos começam a dilatar, acumulando alimentos e fezes, respectivamente. No caso do megaesôfago, a dilatação faz com que o paciente não consiga deglutir adequadamente – por isso, o pesquisador Carlos Chagas chamava o problema de ‘mal do engasgo’. No megacólon, as mudanças na microbiota são consequência da alteração da motilidade intestinal decorrente da perda dos plexos nervosos. Por isso, as fezes irão se acumular e o indivíduo ficará com sua capacidade defecatória prejudicada. As duas condições trazem sérios prejuízos à saúde e à qualidade de vida dos pacientes.
A médica imunologista Ester Sabino, professora associada do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e pesquisadora com foco em doença de Chagas no Instituto de Medicina Tropical da Instituição, informa que o megacólon e o megaesôfago podem ocorrer em conjunto com a forma cardíaca, embora geralmente ocorram separadamente. E a etiologia de ambos parece ser diferente do que leva à cardiomiopatia chagásica. “As duas condições são difíceis de estudar e são ainda mais negligenciadas do que a forma cardíaca. Como a frequência é menor, é bem difícil o seguimento desses pacientes”, lamenta. O tratamento para megaesôfago é cirúrgico e, no megacólon, a intervenção com ingestão de fibras pode funcionar para alguns pacientes, no sentido de evitar o agravamento dos sintomas e, consequentemente, a necessidade de cirurgia de ressecção do órgão.
Mix de fibras
Para avaliar quanto as fibras poderiam auxiliar alguns pacientes com a forma digestiva da doença de Chagas, atendidos no ambulatório da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) – campus Mossoró, a nutricionista Antônia Suellen Fernandes Dantas desenvolveu o estudo ‘Efeitos do tratamento dietético com a suplementação de fibras alimentares na melhora do perfil nutricional e da constipação crônica em pacientes chagásicos crônicos portadores de forma clínica digestiva’, durante o mestrado, em 2023. “Tínhamos pacientes com megacólon atendidos no ambulatório que passavam até 30 dias sem defecar, e queríamos entender se a dieta com fibras poderia ajudá-los. E a resposta que obtivemos foi surpreendente, com melhora em todos os parâmetros avaliados nos pacientes”, acentua o professor doutor Cléber Mesquita, médico cardiologista e orientador de Pós-graduação da UERN, que orientou o estudo.