Para analisar a diferença no envelhecimento cerebral em populações geograficamente distintas, um estudo conduzido por pesquisadores de 15 países utilizou a metodologia dos ‘relógios cerebrais’ (do inglês, brain clocks), que servem como indicadores para refletir a saúde do órgão mais importante do sistema nervoso. Com base em dados de ressonância magnética funcional (RMf) e encefalograma (EEG), o método que quantifica discrepâncias entre a idade cerebral e cronológica identificou que indivíduos residentes em países da América Latina e do Caribe têm uma maior idade cerebral quando comparados a indivíduos de outros países de maior nível socioeconômico, o que representa um risco aumentado de doenças neurodegenerativas.
O estudo analisou dados de 5.306 participantes da América Latina, Caribe, Cuba, China, Estados Unidos, Escócia, França, Grécia, Inglaterra, Irlanda, Itália e Turquia. Destes, 3.509 eram controles saudáveis, 517 com comprometimento cognitivo leve, 828 com doença de Alzheimer e 463 com variante comportamental da demência frontotemporal. “A partir das informações coletadas de 2.953 RMf e 2.353 EEG foi criada uma arquitetura de deep learning (aprendizado de máquina que usa algoritmos para processamento e interpretação de dados), para determinar a interação e a diversidade entre os dados”, descreve a médica neurologista Elisa de Paula França Resende, professora adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM-UFMG) e uma das autoras do estudo.
Para explorar a influência da diversidade no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas, os pesquisadores investigaram fatores socioeconômicos, sociodemográficos, poluição, disparidades de saúde e neurodegeneração. “A partir dos dados, a aplicação da metodologia dos ‘relógios cerebrais’ indicou que os participantes da América Latina e do Caribe apresentaram uma maior discrepância entre a idade biológica cerebral e a idade cronológica em comparação aos outros países, sugerindo um envelhecimento cerebral mais acelerado”, comenta a pesquisadora. Tais descobertas oferecem, portanto, uma estrutura que captura a diversidade multimodal associada à velocidade de envelhecimento cerebral em cenários globais.
A pesquisadora acrescenta que o fator gênero foi associado a resultados mais instáveis de saúde cerebral. “No estudo foram observadas maiores lacunas de idade cerebral em controles saudáveis e mulheres com doença de Alzheimer da América Latina e do Caribe, o que pode estar relacionado a fatores ambientais e condições específicas como, por exemplo, a menopausa, que envolve redução do volume cerebral”, explica. As mulheres também apresentam desregulação inflamatória pronunciada e menor autofagia basal em comparação aos homens, condições que aumentam o risco para a doença de Alzheimer.
Dados são consistentes
O conjunto de dados de EEG tem representação de grupos clínicos apenas nos países da América Latina e do Caribe, o que pode limitar a generalização. Entretanto, essa questão pode ser parcialmente atenuada pelos resultados consistentes dos dados de RMf, que incluíram grupos de todos os países analisados. Segundo a pesquisadora, para aprofundar a compreensão do envelhecimento cerebral em diferentes mecanismos fisiopatológicos, pesquisas futuras devem incluir outras regiões. “Ao integrar dados de países com contextos socioeconômicos tão distintos é possível aumentar a compreensão do envelhecimento cerebral e criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral, especialmente para regiões com recursos limitados”, conclui. O artigo ‘Brain clocks capture diversity and disparities in aging and dementia across geographically diverse populations‘ foi publicado em 2024 no site Nature Medicine. •