Mesmo com a redução da taxa média mundial de tabagismo de 22,8% para 17% entre 2007 e 2021, o consumo do cigarro segue como um problema de saúde pública. Considerado uma doença crônica provocada pela dependência da nicotina, o tabagismo é uma das principais causas de morte evitáveis no mundo, vitimizando aproximadamente 8,7 milhões de pessoas anualmente – com 1 milhão de fumantes passivos. No Brasil o cenário é semelhante, com mais de 400 pessoas morrendo diariamente em decorrência de doenças relacionadas ao vício de fumar. Dentre as áreas da saúde que atuam para recuperação e tratamento da dependência química em tabaco destaca-se a Nutrição, que oferece estratégias para enfrentar o processo de abstinência. Pequenas mudanças, como a inclusão de uma alimentação saudável com maior consumo de frutas e vegetais podem, por exemplo, atuar de forma positiva diminuindo a vontade de fumar. Além disso, uma dieta variada fornece aporte de compostos bioativos com propriedades antioxidantes e vitaminas – em especial a vitamina C, reduzida em 30% nos fumantes –, e no bom funcionamento do intestino, ajudando a acelerar o metabolismo e melhorar o organismo.
O papel do nutricionista na equipe multiprofissional que atua com tabagistas em abstinência é determinante em alguns momentos, especialmente em orientar que não aumente o consumo de bebidas alcoólicas, café, fritura, doces, embutidos, industrializados, ultraprocessados e refrigerantes de cola. “Também atuamos para evitar que o ato de levar o cigarro à boca seja erroneamente substituído por alimentos mais calóricos, gordurosos e ultraprocessados que estimulam a sensação de bem-estar no cérebro e favorecem o desenvolvimento de outras doenças crônicas associadas ao ganho de peso, como diabetes e hipertensão”, ressalta a nutricionista Aline Silva de Aguiar, professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para ajudar nesse processo de craving (fissura pelo cigarro), a nutricionista liderou duas pesquisas sobre o potencial terapêutico de alguns alimentos-chave que auxiliam na abstinência da nicotina. Em uma delas, o grupo analisou as propriedades de um mix de frutas secas e oleaginosas (nozes) composto por abacaxi, tâmara, maçã, mamão, banana, manga, uva passa e damasco desidratados, que são antioxidantes e ricos em triptofano – aminoácido que ajuda na produção de serotonina. “Ao avaliar o efeito do mix sobre a fissura e a associação com os níveis de leptina sérica de fumantes de tabaco, atuamos principalmente orientando o consumo desses alimentos. Incluímos também a questão comportamental, porque consumir pequenos pedaços de alimento reproduz o movimento de levar algo à boca a todo momento, como é feito com o cigarro. Dessa forma, além de suprir a ausência do tabaco, o mix oferece os nutrientes presentes nestes alimentos e promove uma sensação de bem-estar, trazendo benefícios à saúde”, descreve.
Em outro estudo, o consumo de chocolate amargo (70% cacau) foi apontado como uma estratégia nutricional de auxílio ao tratamento, contribuindo para uma possível melhora do perfil antioxidante dos fumantes. A professora explica que o chocolate amargo tem um lipídeo equivalente à anandamida, que atua no sistema endocanabinoide – o mesmo afetado pela cannabis. “Além de dar palatabilidade agradável, o lipídeo proporciona estímulo a este sistema que tem uma ampla ação no controle de apetite, metabolismo, sono, humor e memória”, resume.
O estudo foi realizado com voluntários tabagistas em tratamento para parar de fumar na Fundação IMEPEN, em Juiz de Fora (MG), com participação de nutricionistas do Grupo de Pesquisa em Nutrição Translacional, coordenado pela docente. O grupo recebeu 40g/dia de chocolate amargo por um mês, associado ao consumo alimentar orientado pelos nutricionistas. Ambas as estratégias colaboraram para o fornecimento de componentes antioxidantes e anti-inflamatórios, além de proporcionar bons resultados no combate à vontade de fumar.
Receios
Um dos principais obstáculos para abandonar o vício, especialmente para mulheres, é o medo de engordar. Como a nicotina atua diretamente no sistema nervoso central, acaba limitando o apetite e afetando a atividade dos neurotransmissores serotonina e dopamina – responsáveis pelo controle da fome. Segundo a nutricionista clínica Michelle Nunes Silveira, das equipes de Pneumologia, Transplante Pulmonar e Fibrose Cística no Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA-UFRS), a substituição do cigarro pela comida pode ser uma alternativa para aliviar a ansiedade.
“O ganho médio de peso nos primeiros meses de abstinência é de 2kg a 4kg, podendo ser maior em 1 a cada 10 fumantes. Isso ocorre porque o metabolismo, a queima calórica, o olfato e o paladar voltam ao padrão de funcionamento normal e saudável”, acentua. Para evitar alimentos calóricos, algumas estratégias são ter sempre à mão algo para ‘mordiscar’, como bala ou chiclete (sem açúcar), lasquinhas de gengibre ou cravo da Índia. Outra dica é incluir legumes na dieta, como palitos de cenoura crua, pepino, erva-doce e salsão, que simulam a manipulação do cigarro e têm valor calórico baixo. Como substituto de álcool, café e mate – que estimulam o desejo do cigarro –, a sugestão são sucos naturais, água de coco ou chás gelados de camomila, cidreira, erva-doce, melissa e maçã. Manter a hidratação ao longo do dia, principalmente com água gelada, é outra boa tática para reduzir a vontade de fumar.