A imunossenescência é um processo de deterioração gradual do sistema imunológico que acompanha o envelhecimento natural do organismo, marcado por mudanças significativas no sistema imune que resultam na perda da capacidade do corpo em responder a infecções, assim como à deterioração da memória imunológica. Esse processo também é marcado por um estado de inflamação crônica de baixa intensidade – chamado de inflammaging – que está associado à maior fragilidade e ao risco de morbidade. Entretanto, idosos saudáveis e centenários parecem estar protegidos desses processos.
Para entender quais fatores imunológicos estão envolvidos nessa compensação que possibilita a longevidade saudável, o Grupo de Estudos de Imunobiologia do Envelhecimento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) tem investigado idosos acima de 80 anos, centenários e supercentenários residentes na região metropolitana de Belo Horizonte. O grupo é coordenado pela médica e pesquisadora em Imunobiologia Ana Maria Caetano Faria, docente do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Instituição.
De acordo com o doutorando Lucas Haniel de Araújo Ventura, um dos pontos mais importantes envolvidos no envelhecimento é o inflammaging. “Descrito como um estado sistêmico que sinaliza uma inflamação subclínica crônica caracterizada por níveis aumentados de citocinas pró-inflamatórias, quando o inflammaging não está controlado pode levar a um maior risco de fragilidade, doenças e morbidade nos idosos, prejudicando a autonomia e a qualidade de vida”, descreve. Mesmo com a presença crônica de mediadores inflamatórios, alguns indivíduos – especialmente centenários e supercentenários – parecem apresentar uma característica de anti-inflammaging. Isso sugere que várias funções imunológicas podem ser remodeladas e compensadas na mesma intensidade por outros fatores reguladores.
Nesse sentido, é fundamental investigar como funciona a combinação e o equilíbrio de biomarcadores clínicos e imunológicos (como citocinas e quimiocinas no plasma). A meta é estabelecer medidas preventivas que reduzam a fragilidade nas suas fases iniciais, preservando as funções físicas e cognitivas e promovendo, consequentemente, um envelhecimento mais ativo e autônomo. Para isso, a pesquisa tem atuado na busca ativa dos centenários e na coleta de dados e de amostras biológicas.
Atualmente, o grupo conta com a participação de 11 centenários – três homens e oito mulheres, todos residentes na região metropolitana de Belo Horizonte. “Além disso, vamos explorar os idosos longevos de outras localidades do Estado de Minas Gerais que, pela sua localização geográfica, é abundante em diversidade, ancestralidade e etnias, o que torna a pesquisa ainda mais rica e interessante”, comenta o pesquisador Lucas Haniel de Araújo Ventura.
Microbiota diversificada
A ciência já sabe que a diversidade de espécies do microbioma intestinal diminui com o passar do tempo, atingindo seu nível mais baixo entre os 65 e 85 anos de idade. No entanto, estudos recentes realizados em populações longevas com características mais homogêneas (como hábitos alimentares e de vida similares), apontam que esse microscópico ecossistema volta a aumentar nos nonagenários e centenários, apresentando um perfil específico.
“Ao que tudo indica, apesar de menos diversificada em termos de espécies bacterianas associadas a atividades benéficas e anti-inflamatórias, a microbiota dos centenários apresenta um aumento na abundância de outras bactérias, que são benéficas e servem de proteção contra as alterações microbianas”, observa a professora Ana Maria Caetano Faria. Assim, entender a notável capacidade desses indivíduos de resistir, se adaptar e enfrentar os desafios biológicos e não biológicos que surgem com a idade é considerado fundamental.
Um achado interessante é que, mesmo que a composição da microbiota dos idosos e centenários saudáveis se modifique, a atividade metabólica das bactérias intestinais se mantém preservada. Atualmente, inúmeros estudos já revelaram que as bactérias que danificam fibras alimentares e produzem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) têm a função de estimular a produção de metabólitos anti-inflamatórios na mucosa intestinal, modulando vias importantes relacionadas ao equilíbrio do organismo. “O interessante é que, apesar de as bactérias presentes na microbiota dos centenários serem diferentes das encontradas em indivíduos menos idosos, ambas realizam as mesmas funções”, acentua a professora. Para entender as características específicas do microbioma dos centenários mineiros, os pesquisadores da UFMG estão em processo inicial de coleta de amostras para análises futuras.