Ainda que o fator ambiental exerça 80% de influência no processo de envelhecimento saudável, com o passar dos anos a genética ganha papel cada vez mais relevante. Para entender se há padrões comuns nos genomas de centenários, pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-tronco (CEGH-CEL) do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) têm estudado centenários saudáveis e supercentenários (acima de 110 anos) em busca de genes que determinam a longevidade excepcional. “Nosso objetivo é identificar quais são esses genes protetores e como regulam o organismo desses idosos levando ao envelhecimento sem doenças, com vitalidade, disposição e resiliência, além de conservar, mesmo com limitações, a capacidade física e cognitiva”, explica a médica geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Laboratório de Doenças Neuromusculares e do CEGH-CEL.
Pioneira por sua diversidade, a pesquisa tem investigado o genoma de indivíduos centenários de diferentes etnias, ancestralidades genéticas e regiões brasileiras. Além de entrevistar os superidosos e suas famílias para conhecer trajetória, quadro de saúde e hábitos de vida, os cientistas recolhem amostras biológicas de sangue para realizar o sequenciamento do genoma e entender o papel que a genética pode desempenhar na longevidade.
“A partir das coletas conseguimos fazer a derivação de diversos tipos de linhagens celulares, ou seja, reprogramamos as células do sangue (eritroblastos) em células-tronco embrionárias. Assim, conseguimos transformá-las em organoides celulares musculoesqueléticos, pulmonares, ósseos, cerebrais e cardíacos, entre outros, objetivando estudar suas especificidades”, descreve a geneticista. Os estudos que investigam a resiliência imunológica, física, cognitiva e os superlongevos também têm explorado a complexidade da interação de múltiplos genes, proteínas e vias metabólicas para entender como afetam o envelhecimento e de que modo esses processos podem ser manipulados para melhorar a saúde.
Durante a pandemia de Covid-19, os pesquisadores começaram a estudar pessoas com mais de 90 anos não vacinadas que apresentaram uma infecção silenciosa provocada pelo vírus SARS-CoV-2 ou se recuperaram de forma leve ou moderada. Dos centenários na amostra, três tinham idade superior a 110 anos. De acordo com o pesquisador Mateus Vidigal de Castro, pós-doutorando em Genética do CEGH-CEL, a análise da resposta imune humoral identificou níveis resistentes de imunoglobulina G (IgG) e anticorpos neutralizantes contra o vírus – apesar da idade avançada.
“Além disso, foi observado enriquecimento de proteínas plasmáticas e metabólitos relacionados à resposta imune inata e defesa do hospedeiro, sugerindo que a resiliência ao vírus pode ser uma combinação da herança genética e da imunidade adaptativa”, detalha. Outro achado foi a descoberta de que a variante genética no gene MUC22, responsável pela produção de muco, era duas vezes mais frequente em superidosos resistentes ao vírus.
Fatores de proteção
A geneticista Mayana Zatz comenta que alguns estudos internacionais já identificaram outros fatores de proteção, entre eles a presença de variantes em dois genes que atuam em mecanismos de reparo de DNA – mais frequentes em pessoas acima de 105 anos. “Sabemos que, com o envelhecimento, os mecanismos de reparo tornam-se menos eficientes, o que pode levar à senescência, apoptose (morte celular) ou carcinogênese. Entretanto, nos idosos saudáveis esses mecanismos de reparo continuam em perfeito funcionamento. O nosso desafio, portanto, é descobrir de que forma atuam os genes relacionados a esse processo”, observa. Em outra linha de estudo, os pesquisadores do grupo têm investigado como as modificações epigenéticas influenciam a longevidade e como podem ser transmitidas para as próximas gerações.
“Ao identificar quais são as variantes genéticas que influenciam o envelhecimento saudável e os mecanismos de proteção que produzem será possível revelar e compartilhar os segredos da longevidade para todos aqueles que não tiveram a sorte de nascer com os genes premiados”, destaca o pesquisador Mateus Vidigal de Castro. Atualmente, o estudo tem a participação de aproximadamente 85 centenários saudáveis e lúcidos que compartilham dados ricos e amostras de DNA, mas também histórias de vida, resiliência, superação e vitalidade.
Seguimento
O pesquisador comenta que ainda há muito a ser descoberto. Por isso, a busca por centenários saudáveis continua aberta, pois, quanto maior e mais diversa for a amostra, mais robustos serão os resultados. De acordo com a professora Mayana Zatz, os centenários que foram identificados até o momento estão espalhados pelo Brasil. Além disso, o grupo está priorizando centenários que não tiveram acesso à medicina moderna, porque neles a longevidade realmente depende de variantes genéticas de resiliência. As pessoas interessadas em participar da pesquisa (idosos com 100 anos ou mais) podem enviar um relato para o e-mail dnalongevo@usp.br.