De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a atividade física regular é uma forma de evitar cerca de 3,9 milhões de mortes prematuras por ano. Embora a atividade física regular e moderada traga benefícios à saúde, contribuindo para prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, e reduzindo sintomas de depressão e ansiedade, atividades físicas de alto impacto (overtraining) podem não ser tão benéficas. Dentre os efeitos nocivos estão alguns impactos na microbiota intestinal, hipertermia dos tecidos, aumento da permeabilidade intestinal, redução da espessura do muco intestinal, aumento da produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e do nitrogênio (RONS), inflamação e disbiose.
Além disso, estudos mostram que exercícios extenuantes alteram as respostas imunológicas/inflamatórias das vias aéreas superiores, levando à incidência de infecções do trato respiratório superior. Assim, o desempenho em esportes de resistência como maratona, ciclismo e natação requer um alto nível de adaptações fisiológicas e bioquímicas no corpo, que incluem ajustes no metabolismo, equilíbrio eletrolítico e alterações no armazenamento de glicogênio muscular e hepático.
“A alta ingestão de proteínas animais favorece o aumento da concentração de trimetilamina (TMA) no intestino, o que pode levar ao aumento da inflamação sistêmica e, consequentemente, prejudicar a disponibilidade energética do atleta”, afirma a professora doutora Adriane Elisabete Antunes de Moraes, da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Por outro lado, uma dieta rica em fibras alimentares pode favorecer a diversidade microbiana e a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), que modulam positivamente a função intestinal. Assim, o desafio do desempenho físico nesses esportes é a flexibilidade metabólica, ou seja, o melhor uso de todos os substratos energéticos disponíveis (principalmente ácidos graxos) no músculo para suportar as demandas específicas do exercício. Ademais, os AGCC podem interferir no metabolismo de glicose e lipídeos no músculo e ajudar no fornecimento de energia durante o exercício.
Estudo com corredores
Para confirmar as hipóteses, pesquisadores da Unicamp desenvolveram um estudo para investigar as alterações na microbiota intestinal de corredores participantes da Ultramaratona Brasil 135. A equipe acompanhou seis atletas da ultramaratona e observou flutuações significativas na proporção de certos táxons microbianos e metabólitos das amostras de fezes, que podem estar relacionadas ao desempenho durante a corrida. O grupo era composto por três adultos (grupo ADULT), dois atletas sêniores (grupo SEM), um obeso (TOP 10) e um atleta lento (SLOWER).
Um dos estudos publicados foi ‘Does a 217-km mountain ultramarathon affect the gut microbiota of a top 10 runner at the Brazil 135 Ultramarathon?’, que avaliou o perfil bacteriano da microbiota intestinal de um voluntário que ficou na 7ª posição na corrida. Também foi publicado o estudo de caso ‘Effects of a 217-km mountain ultramarathon on the gut microbiota of an obese runner: A case report’ com o participante que cruzou a linha de chegada na posição 113. “Observamos uma diminuição na relação Bacillota/Bacteroidota e na α-diversidade após a corrida. Além disso, foi encontrada uma diminuição nos microrganismos simbiontes e um aumento notável nas bactérias nocivas para esse participante”, ressalta a pesquisadora.
Bebida probiótica
O grupo também desenvolveu uma bebida esportiva probiótica para analisar o efeito do leite fermentado enriquecido com proteína de soro de leite (cerca de 80%), probiótico (Bifidobacterium animalis BB-12) e outros ingredientes sobre desempenho físico, motilidade intestinal e estrutura das vilosidades, marcadores inflamatórios e microbiota intestinal de ratos submetidos a exercício agudo de alta intensidade (corrida em esteira). “O exercício agudo intenso causou alterações no espaço intersticial das vilosidades intestinais, alterações na proporção de espécies de Lactobacillus e um aumento nas espécies de Clostridium, bem como uma diminuição na motilidade intestinal”, afirma a pesquisadora da Unicamp. A expectativa é que o artigo científico possa auxiliar no desenvolvimento de estratégias terapêuticas e dietéticas para modular a composição da microbiota intestinal. Além disso, os resultados podem ajudar a esclarecer de que forma a atividade física e as suas variáveis – a exemplo de modalidade, intensidade e duração – influenciam a composição desse ecossistema intestinal.