Identificar um quadro de fome oculta na dieta de uma gestante e mudar seus hábitos alimentares pode prevenir a prematuridade e outros quadros clínicos como pré-eclâmpsia, diabetes gestacional e até o risco de mortalidade. Dessa forma, mais do que controlar o peso durante o pré-natal, é preciso nutrir com qualidade. De acordo com um estudo desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estado nutricional materno influencia desfechos gestacionais. Ao analisar aproximadamente 1,2 mil gestantes – todas no primeiro parto – de cinco centros de saúde das regiões Nordeste, Sudeste e Sul brasileiras, a pesquisa identificou que ambiente, hábitos culturais e fatores socioeconômicos refletem nas escolhas alimentares desse grupo específico.
Conduzido pela nutricionista Maria Julia de Oliveira Miele, o estudo integrou a tese de doutorado vencedora do Prêmio CAPES de Melhor Tese de 2023, realizada na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Intitulado ‘Profile of calories and nutrients intake in a Brazilian Multicenter Study of Nulliparous Women’ o estudo teve como objetivo avaliar a ingestão calórica e o conteúdo nutricional da dieta materna de acordo com cada região, identificando as similaridades e diferenças que levam a determinados desfechos gestacionais. Os achados identificaram que as gestantes nordestinas ingeriram calorias em doses adequadas e consumiram boa quantidade de alimentos in natura como frutas, vegetais e produtos lácteos, além de sementes, feijão e castanhas que, juntos, são fontes importantes de vitaminas, cálcio, selênio e zinco. “Em contrapartida, no Sul e Sudeste há maior consumo de açúcares e alimentos ultraprocessados/industrializados que, por serem pobres em micronutrientes, resultam em má nutrição e sobrepeso”, descreve.
Para a pesquisadora, a alimentação de cada região é um reflexo do estilo de vida local. E, embora não sejam determinantes, fatores sociais como hábitos culturais e ritmo de vida podem explicar a disparidade. Além de serem mais próximas dos alimentos naturais, as gestantes nordestinas demonstraram preocupação com o manejo, uso de temperos locais e preparo artesanal de cada refeição. No Sul e Sudeste, especialmente em regiões periféricas onde a rotina é agitada e os trajetos de casa ao trabalho (e vice-versa) são mais demorados, havia uma tendência de substituir a refeição por um lanche rápido. “Seja por falta de conhecimento sobre o que realmente é saudável ou pela impossibilidade de preparar algo mais nutritivo, as escolhas alimentares – boas ou inadequadas – refletem a qualidade nutricional de cada gestante, o que impacta diretamente no desenvolvimento do bebê”, observa.
Apesar das diferenças de consumo, os pesquisadores identificaram um padrão entre as regiões no que diz respeito às deficiências ou ao excesso de vitaminas e minerais de fontes alimentares. “Observamos em todas as regiões baixo consumo de laticínios e vegetais, ingestão insuficiente de vitaminas K e D, assim como de minerais como ferro, cálcio, folato, magnésio e cromo nos alimentos naturais e fortificados”, destaca a pesquisadora. Entretanto, os padrões alimentares não devem ser avaliados isoladamente, mas de acordo com as fontes de calorias e as características das culinárias regionais para evitar ou caracterizar a falta de micronutrientes. A partir do perfil da nutrição materna de diferentes culturas no Brasil elaborado neste estudo, investigações futuras poderão avaliar a abordagem intervencionista ideal para melhorar o estado nutricional, evitando um quadro de fome oculta durante a gestação. •