A diarreia é um problema de saúde global, caracterizado pela ocorrência de evacuações amolecidas ou líquidas. A depender da duração e grau de acometimento, leva a um desequilíbrio severo entre a absorção e a secreção de líquidos e eletrólitos. Apontada como uma das principais causas de mortalidade infantil, especialmente entre crianças menores de cinco anos, a condição causa cerca de 500 mil óbitos anualmente, com maior concentração (cerca de 90%) no sul da Ásia e na África subsaariana. Para decifrar se a etiologia diarreica está associada à composição da microbiota intestinal, um estudo de caso-controle investigou as diferenças na diversidade bacteriana entre crianças etíopes com diarreia aguda, prolongada/persistente e controles não diarreicos.
De acordo com os autores, sabe-se que uma microbiota intestinal equilibrada e diversa é importante para a saúde humana. Isso porque esse ecossistema contribui para a metabolização de compostos alimentares indigestíveis, síntese de vitaminas, regulação do sistema imunológico e resistência do hospedeiro contra patógenos. Em contrapartida, o desequilíbrio (disbiose) pode ter efeitos deletérios, a exemplo da desnutrição ou suscetibilidade a patógenos intestinais, levando a quadros diarreicos. “Ainda que, de acordo com diversos estudos, a mortalidade devido à diarreia aguda (duração <7 dias) esteja diminuindo, os quadros de diarreia prolongada (7-13 dias) e persistente (≥ 14 dias de duração) continuam sendo um grande desafio”, acentuam.
Dessa forma, a resposta pode estar na composição da microbiota intestinal. Portanto, para avaliar as diferenças na diversidade bacteriana em quadros diarreicos, foi realizado um estudo caso-controle em colaboração com pesquisadores da Dinamarca, Estados Unidos, Etiópia e Noruega. O experimento analisou amostras fecais de 1.313 crianças etíopes com idade entre 0 e 59 meses. Destas, 650 (49,5%) eram casos de diarreia e 663 (50,5%) eram controles não diarreicos com frequência correspondente. “Entre os casos analisados, 554 crianças (85%) apresentavam quadro de diarreia aguda e 95 (15%) com diarreia prolongada combinada com a persistente, referida como ProPD”, descrevem os autores.
Resultados
De acordo com as análises das amostras fecais, os autores destacam que os casos de diarreia aguda e ProPD estão associados à menor diversidade bacteriana e enriquecidos em Escherichia spp., Campylobacter spp. e Streptococcus spp. “Especificamente, o Campylobacter também foi associado à inflamação intestinal, aumento da permeabilidade intestinal e crescimento linear prejudicado, sendo implicado na disbiose da microbiota intestinal em crianças”, descrevem.
Além disso, os casos de diarreia possuem menor concentração de comensais intestinais, como Prevotella copri, Faecalibacterium prausnitzii e Dialister succinatiphilus, com a redução mais pronunciada em casos prolongados/persistentes. Para os autores, isso sugere que a duração prolongada da diarreia é acompanhada pela redução de comensais intestinais. “Portanto, restabelecê-los com uso de suplementos alimentares direcionados para melhorar a recuperação de comensais intestinais depletados e/ou por reposição direta de anaeróbios obrigatórios nos chamados ‘probióticos de próxima geração’, pode ser uma estratégia promissora para o tratamento da diarreia aguda e da ProPD”, finalizam. O estudo ‘Gut microbiota patterns associated with duration of diarrhea in children under five years of age in Ethiopia’ foi publicado em setembro de 2024 no periódico Nature.