O metabolismo dos subprodutos do grupo prostético heme, como a bilirrubina – substância amarelada encontrada na bile – é essencial para a saúde humana, uma vez que o excesso de bilirrubina sérica pode causar icterícia e até danos neurológicos. Recentemente, uma descoberta de pesquisadores dos Estados Unidos apontou que uma única enzima, a bilirrubina redutase (BilR), é capaz de reduzir os níveis de bilirrubina em urobilinogênio (pigmento biliar resultante da degradação da hemoglobina). O resultado esclarece o papel do microbioma intestinal no metabolismo da bilirrubina e destaca a importância do eixo intestino-fígado na manutenção da homeostase dessa enzima.
A identificação da bilirrubina redutase, através de análises bioquímicas e genômica comparativa, permitiu aos pesquisadores elaborarem o perfil da sua abundância em 7.960 metagenomas, mostrando que a redução da bilirrubina é uma característica central de um microbioma humano adulto saudável. Entretanto, sua prevalência é menor em neonatos e indivíduos com doença inflamatória intestinal (DII).
“Embora a descoberta da BilR seja fundamental na compreensão das etapas relevantes para a saúde da excreção da heme, há aspectos adicionais do caminho que pedem esclarecimento”, afirmam os autores. Além disso, há um passo adicional na via de refluxo da redução da bilirrubina realizada pelo microbioma intestinal, no qual a enzima ainda é desconhecida: a redução do urobilinogênio em estercobilinogênio. Semelhante à bilirrubina, o urobilinogênio pode servir como um aceptor terminal de elétrons para microrganismos que codificam essas redutases, possibilitando uma vantagem competitiva no ambiente anaeróbico do intestino.
Icterícia e DII
Vários fatores relacionados ao hospedeiro e ao microbioma contribuem para o desenvolvimento da icterícia. Uma das possibilidades, de acordo com os autores do estudo, é que a bilirrubina redutase está frequentemente ausente em bebês. “Isso apoia a hipótese de que a icterícia neonatal é exacerbada pela ausência ou baixa abundância de microrganismos redutores de bilirrubina no intestino”, observam. Entretanto, novos estudos de coorte com bebês são necessários para medir simultaneamente a bilirrubina sérica, os urobilinoides fecais e a abundância absoluta de bactérias redutoras de bilirrubina para desvendar os seus papéis nesta doença.
Além da icterícia neonatal, a redução da bilirrubina por microrganismos intestinais é importante para a saúde geral, pois suas concentrações séricas estão correlacionadas inversamente com adiposidade e doenças cardiovasculares. As concentrações de urobilina também têm impacto na saúde humana, estando positivamente correlacionadas com a resistência à insulina e a insuficiência cardíaca. “Tal constatação destaca a complexidade e a importância da via de degradação do heme, confirmando o papel fundamental que a BilR desempenha no equilíbrio de múltiplos metabólitos relevantes para a saúde”, acentuam os pesquisadores.
Metagenomas
O estudo verificou, ainda, as diferenças entre os metagenomas de indivíduos saudáveis e de pacientes com doença inflamatória intestinal. Os autores destacam que a potencial interrupção do metabolismo da bilirrubina – combinada com o aumento previamente estabelecido de ácidos biliares primários não conjugados em pacientes com DII – poderia contribuir para o aumento da incidência de cálculos biliares de bilirrubinato de cálcio, frequentemente observado nesses pacientes. Os autores concluem que o trabalho fornece conhecimentos fundamentais para futuras investigações sobre a importância do metabolismo da bilirrubina na saúde humana. O artigo ‘BilR is a gut microbial enzyme that reduces bilirubin to urobilinogen’ foi publicado no periódico Nature Microbiology em 2024 – doi.org/10.1038/s41564-023-01549-x