A microbiota humana representa uma comunidade microbiana heterogênea composta por vários microrganismos comensais, simbióticos e até patogênicos que colonizam as superfícies externas e internas do corpo. Apesar de o termo microbiota ser comumente usado para identificar microrganismos que habitam o intestino, várias evidências sugerem a presença de diferentes microbiomas colonizando fisiologicamente outros órgãos. Neste contexto, vários estudos também confirmaram que os microrganismos são componentes integrais do tecido tumoral em diferentes tipos de câncer, constituindo a chamada microbiota intratumoral.
Esta microbiota intratumoral está intimamente relacionada à ocorrência e ao desenvolvimento do câncer, bem como à eficácia dos tratamentos anticâncer. Além disso, pode contribuir para a carcinogênese e a formação de metástases, pois alguns microrganismos teriam a capacidade de causar danos ao DNA diretamente, enquanto outros poderiam induzir a ativação de respostas pró-inflamatórias (ou vias oncogênicas) e alterar o microambiente tumoral (TME). Todas essas características tornam a microbiota intratumoral um tópico interessante a ser investigado para fins diagnósticos e prognósticos, para melhorar o tratamento de pacientes com câncer.
Por essa razão, pesquisadores italianos realizaram uma revisão científica com o objetivo de reunir os dados mais recentes sobre o papel da microbiota intratumoral no desenvolvimento, na progressão e na resposta ao tratamento do câncer, bem como sobre seu potencial valor diagnóstico e prognóstico. De acordo com os autores, dados epidemiológicos recentes demonstraram que o desenvolvimento de aproximadamente 20% dos cânceres em todo o mundo está associado à disbiose microbiana.
“A International Association for Cancer Registries (IACR) reconheceu 11 espécies microbianas como cancerígenas humanas. Entre elas estão Helicobacter pylori, Fusobacterium nucleatum, Escherichia coli, Bacteroides fragilis e Porphyromonas gingivalis”, detalham. Os pesquisadores ressaltam que essas espécies fazem parte da microbiota humana, portanto, a abundância dessas bactérias nocivas deve ser cuidadosamente avaliada para prever o risco de desenvolvimento de câncer.
Revisão de literatura
Novas linhas de evidências sugerem que microrganismos são componentes integrais do tecido tumoral em diferentes tipos de câncer, incluindo colorretal, pâncreas, pulmão e mama. Embora o tecido canceroso fosse originalmente considerado estéril, a descoberta de assinaturas microbianas complexas dentro do volume tumoral levou os pesquisadores a definir e caracterizar a chamada microbiota intratumoral.
De acordo com os autores, estudos neste contexto permitiram a identificação de três vias principais de infiltração microbiana em tecidos tumorais. Resumidamente, a quebra de barreiras mucosas, migração de tecidos normais adjacentes (NAT) ou infiltração através do sistema circulatório. Os microrganismos que constituem a microbiota intratumoral foram caracterizados e descobriu-se que diferem significativamente dependendo do tipo de tumor.
No entanto, os múltiplos papéis que a microbiota intratumoral desempenha em vários cânceres ainda não foram totalmente elucidados. Algumas descobertas preliminares sugerem que, dentro do microambiente tumoral, a microbiota intratumoral pode desempenhar papéis diferentes. Dentre eles estão a progressão do tumor quanto à formação de metástase por meio da produção de citocinas, a indução de uma resposta pró-inflamatória e a estimulação da resposta imune.
Algumas bactérias intratumorais também podem causar danos diretos ao DNA, aumentando a agressividade e a progressão do tumor e favorecendo a metástase de tumores primários. “Por meio de todos esses mecanismos, a microbiota intratumoral não apenas influencia o crescimento do tumor e a formação de metástase, mas também modula a eficácia da terapia do câncer, potencialmente induzindo resistência a medicamentos anticâncer”, alertam os autores.
Por todas essas razões, a microbiota intratumoral tem o potencial de ser usada como uma ferramenta tanto diagnóstica quanto prognóstica. Além disso, vários estudos também destacaram um possível valor prognóstico da microbiota intratumoral, pois se correlaciona com as taxas de sobrevivência em diferentes tipos de câncer.
Diferentes microbiotas
Um aspecto importante a considerar é como os microbiomas externos – a exemplo da microbiota intestinal e oral – podem influenciar a microbiota intratumoral e impactar nos resultados do tratamento do câncer. Alguns estudos sugeriram que microrganismos de fontes externas, incluindo a cavidade oral e o intestino, podem translocar e se tornar parte da microbiota intratumoral, influenciando assim a evolução do tumor.
Desta forma, manter a higiene oral e uma microbiota intestinal equilibrada são cada vez mais reconhecidos como fatores críticos na formação dos resultados do tratamento do câncer. A má higiene oral pode levar a infecções bacterianas e inflamação sistêmica, e ambas podem prejudicar a eficácia das terapias, particularmente das imunoterapias. Da mesma forma, bactérias intestinais, especialmente sob condições de disbiose, podem translocar-se através da barreira intestinal para a circulação e, eventualmente, colonizar tecidos tumorais.
Apesar de todas essas descobertas, uma limitação atual do estudo da microbiota intratumoral está relacionada aos dados fragmentados e conflitantes gerados sobre o papel de bactérias específicas nos processos de promoção e supressão de tumores. “Nesse contexto, estudos in vitro e clínicos mais rigorosos são necessários para esclarecer o papel das influências microbianas na evolução e no tratamento do câncer”, argumentam os autores. O artigo ‘Intratumoral microbiota: insights from anatomical, molecular, and clinical perspectives’ foi publicado em outubro de 2024 no Journal of Personalized Medicine.
